domingo, 7 de agosto de 2011

Cântico Final - Aparição

 

Dois dos primeiros livros que li, de Virgílio Ferreira, e que marcaram para sempre o meu gosto por este autor. E já lá vão muitos anos!

Os horizontes da interrogação existencial que toda a obra de Vergílio Ferreira visa, anunciam-se já em Cântico Final (1960), uma obra intimista que retrata um personagem cujos contornos se definem à medida que o vaivém da sua memória se envolve em torno de indivíduos e acções dominantes. Foi de tal modo apaixonante que parti de imediato para a leitura do Aparição, que adorei.

João Palma Ferreira, a propósito de Virgílio Ferreira, escreveu: “toca os extremos da riqueza lírica e intimista e os da realidade concreta, não para os tentar fundir num conjunto harmonioso mas para os fazer contrastar”.

O tema essencial de toda a sua obra foi certamente o da procura do sentido da existência num universo sem sentido, fazendo-o navegar no que Eduardo Lourenço chamou um "niilismo criador" e um "humanismo trágico", explorando até à exaustão o tema do "eu", ao mesmo tempo eterno e inscrito na finitude, a mesma finitude que o embrenha na temática da morte, num homem que heroicamente, e também angustiadamente, suporta o desafio da finitude.

"Tenho a corrupção lenta do tempo, tenho a eternidade a executar". Eis, numa breve expressão de Rápida a Sombra, a dimensão trágica do seu pensar, onde se desenrola uma intensa reflexão sobre o corpo e a morte. Há em todo o homem são um impulso para um mais daquilo que se é no presente, e que jamais se alcança, ou que se sabe jamais poder alcançar-se ("um apelo ao máximo" que vem do máximo que o homem é), num processo infindo a que só o absurdo da morte põe termo: "Na profundidade de nós, o nosso eu é eterno, e todavia é justamente o corpo que nos contesta a eternidade".

No entanto, novo conflito deflagra entre essa exaltação divinatória, e a consciência trágica da sua corruptibilidade e da sua objectiva degradação, lançando o homem na angustiante consciência da sua "infinitude limitada", e ao mesmo tempo no plano heróico de saber que a morte o espera, devendo viver "como se ela não contasse", ou, como escreveu em Nítido Nulo: "viver a eternidade e, num momento de distracção, cortarem-lha rente".

Atravessa a sua obra o discurso da solidão, como um dos aspectos mais profundos da condição humana, sempre acompanhado pelo silêncio que advém do abandono da entidade divina. As personagens de Vergílio Ferreira assumem um papel questionador, procurando sentido, uma vez que o mundo aparecia sob a forma de uma absurda estupidez.

Cons.: