segunda-feira, 15 de agosto de 2011

1ª República, uma aurora de esperança

Revoltosos nas barricadas da Rotunda (Lisboa) 1910


Os historiadores dizem, com razão, que a 1ª República durou escassos dezasseis anos, de 1910 a 1926, mas criou no nosso País uma aurora de esperança.
Abriu-se, depois, um largo e doloroso período, em que as liberdades públicas e os direitos humanos foram suprimidos, de 1926 a 1974, intitulado, sucessivamente: Ditadura Militar, Ditadura Nacional, Estado Novo e Estado Social. Mas foi sempre e só, Ditadura, apoiada na repressão policial, na censura, nos tribunais plenários e na polícia política (Polícia de Informações, PVDE, PIDE e DGS), inimiga das liberdades, com a supressão das garantias individuais e dos Partidos e dos Sindicatos.
O regime ditatorial, nas suas diversas formas, bloqueou Portugal, por quase 48 anos. Foi responsável pelas guerras coloniais – contrárias à tradição portuguesa, cujo melhor exemplo de auto-determinação é o Brasil – pelo isolamento internacional, pela miséria do Povo, forçado a abandonar Portugal em vagas sucessivas de emigração, e pela mordaça permanente da liberdade de expressão e da repressão dos que pensavam diferente.
A libertação chegou com a Revolução dos Cravos, pioneira na Europa e na Ibero-América, legal e democraticamente instituída, com as primeiras eleições livres de 1975 e a elaboração da Constituição de 1976.
(…) Como é conhecido, a 1ª República criou um Estado Laico (não confessional) e foi pluralista e pluripartidária, garantindo a liberdade, nos seus diversos aspectos, apostando na instrução dos portugueses, no civismo, no associativismo e no progresso.
Mas, foi perturbada, no curto espaço da sua vigência, pelas incursões monárquicas, vindas de Espanha, pelo norte, por duas tentativas ditatoriais – Pimenta de Castro e Sidónio Pais – por contra-revoluções e sucessivos actos de violência.
Cometeu também alguns erros graves, que devem ser estudados, para não serem repetidos na nossa 2ª República. Dou como exemplos: as perseguições à Igreja Católica, que não foram compreendidas pela maioria dos portugueses, o tratamento demasiado severo contra os sindicatos e o operariado em geral, a falta de igualdade no tratamento dos dois sexos, apesar da plêiade de mulheres republicanas que se destacaram e, talvez, a própria intervenção de Portugal na guerra, apesar dos argumentos patrióticos com que os líderes republicanos a justificaram. Contudo, a guerra prolongou-se muito mais do que os republicanos julgavam e, as consequências negativas que dela resultaram foram muito pesadas...
No entanto, o legado que a 1ª República nos deixou foi enorme, bem como o exemplo de ética republicana dos seus grandes líderes, que marcaram os portugueses de sucessivas gerações e se manteve até hoje.
Com efeito, não podemos esquecer a gesta heróica da resistência ao fascismo de tipo salazarista, com gerações e gerações de sacrificados, de todos os Partidos e ideologias: desde os republicanos do chamado revira lho, aos maçons, aos anarquistas, aos católicos progressistas, aos comunistas, aos socialistas, e até a alguns monárquicos como o próprio Paiva Couceiro, Afonso Lopes Vieira, Rocha Martins e os integralistas como Pequito Rebelo, Hipólito Raposo e Rolão Preto, entre tantos outros.
Realmente, a resistência à Ditadura sempre se reclamou dos ideais de tolerância e liberdade da 1ª República, cujos valores nos continuam a orientar, no quadro político e ideológico muito diverso da nossa 2ª República.
(…)

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010

[Mário Soares] in site da Fundação Mário Soares