quinta-feira, 30 de junho de 2011

Voltar à terra para superar a crise

(artigo que publiquei em O Comércio da Póvoa, edição de 2 de Fevereiro de 2011)

 

 1. Numa intervenção pública que fiz em Maio de 2005 (1) referi-me aos espaços de floresta, que têm de ser ordenados correctamente, e à importância da agricultura que ocupa a maior extensão territorial do concelho onde vivo. Já então me era óbvia como actividade de inúmeras pequenas empresas familiares e objecto de algumas associações de produtores com importância regional e até nacional. E por isso, defendi que era urgente potenciar a Agricultura e o mundo rural criando um Departamento Municipal do Desenvolvimento Rural. Os objectivos e a acção de uma tal estrutura teriam como objectivo o correcto ordenamento do território, a defesa dos recursos naturais e a sustentabilidade dos ecossistemas e da paisagem, a contribuição para a criação de um banco de terras destinado aos novos agricultores, a formação e o aconselhamento técnico, a promoção da agricultura biológica, a valorização e divulgação dos produtos de cultura mediterrânica, a canalização de apoios à agricultura familiar, o estímulo ao sector cooperativo agrícola e a criação de condições para o estabelecimento local de unidades ligadas à indústria agro-alimentar. Nesse desiderato caberia fazer a ligação entre a agricultura e a educação, criando uma Quinta Pedagógica, mas também, a ligação entra a Agricultura e a Saúde, porque, como alguém disse, “nenhuma actividade humana, nem mesmo a medicina, tem tanta importância para a saúde como a agricultura”. Nesse contexto esse Departamento Municipal do Desenvolvimento Rural teria um especial cuidado no acompanhamento e apoio à implementação de sistemas de Análise de Riscos e Controlo de Pontos Críticos nos locais de produção, com vista a contribuir para a segurança alimentar.
2. Nessa altura era a leitura de uma realidade local, das suas fragilidades, mas também das suas potencialidades que me motivavam. A seguir a leitura alargou-se, olhando para o país e para o nosso quotidiano e fez-me perceber com maior clareza a importância do regresso á terra como condição de desenvolvimento!
Ao ler uma reportagem de José Manuel Rocha, no jornal Público, a par de algumas escassas boas notícias, confirmou-se a tendência preocupante do abandono da terra que se traduz na perda de 500.000 hectares de espaço arável e no desaparecimento de 112.000 empresas agrícolas, no período compreendido entre 1999 e o ano passado!
Não é de estranhar por isso a nossa insuportável dependência alimentar no estrangeiro: o défice da balança alimentar cresceu 23,7 % na mesma década.
A conclusão é óbvia: sem independência alimentar não há independência nacional. Pedro Queiroz, director-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), reconhece que este é um problema de soberania alimentar (que decorre das opções feitas ao tempo dos governos de Cavaco Silva e seguidas em grande parte pelos governos seguintes, digo eu) e que se materializou em “anos e anos de uma política agrícola comum que nos fez desinvestir na produção".
A situação é preocupante mas na sua resolução pode estar uma parte importante da superação da crise que vivemos.
3. Em Junho de 2003, o Presidente Lula foi à Cimeira do G8, em Evian, sugerir a criação de um fundo mundial de combate à fome, prioridade do seu programa político interno, depois de ter levado o projecto ao Fórum Mundial de Porto Alegre e ao Fórum Económico Mundial de Davos. O objectivo era reunir num fundo global todos os recursos de ajuda ao desenvolvimento dispersos em vários projectos.
Depois disso, Lula manteve a coerência no discurso e na prática. Entretanto, no passado dia 10 de Maio, o presidente do Brasil voltou a afirmar que a pobreza só será vencida se a agenda política lhe der prioridade na elaboração do orçamento de cada país. Lula argumenta com a evidência: “Se a gente espera sobrar dinheiro do orçamento para cuidar da fome, nunca vai sobrar, porque os que têm acesso ao orçamento são gananciosos, querem todo o dinheiro para eles e não fica nada para os pobres”. Neste sentido, “se os dirigentes políticos do mundo não estiverem, quotidianamente, comprometidos com as pessoas que estão em pior situação, fica mais difícil tomar decisão em benefício dos mais pobres”. “Somos eleitos pelos mais pobres”, afirmou o presidente, “mas quando ganhamos as eleições, quem tem acesso aos gabinetes dos dirigentes não são os mais pobres – são os mais ricos”.
Estas declarações foram feitas na abertura da reunião Diálogo Brasil/África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural, no Palácio do Itamaraty, na qual participam representantes dos países africanos, ministros e especialistas. O encontro teve por objectivo debater alternativas para promover a agricultura, a segurança alimentar e o desenvolvimento rural, de modo a intensificar a cooperação entre o Brasil e os países africanos.
Lula insiste que “Precisamos garantir o café da manhã, o almoço e a janta porque quem tem fome não pensa. A dor no estômago é maior do que muita gente imagina, e a pessoa que tem fome não vira revolucionário, vira submisso, pedinte, dependente. A fome não faz o guerreiro que gostaríamos que fizesse. A fome faz um ser humano subser-viente e humilhado, sem força para brigar contra seus algozes, que são responsáveis pela fome”.
4. Em Portugal, onde a pobreza vai silenciosamente mordendo cada vez mais pessoas, é triste ver que, apesar das excepcionais características físicas e climáticas do território, depois de cedermos a políticas que, ao contrário de levar à superação dos diversos condicionalismos que atrasavam o desenvolvimento da agricultura e das indústrias agro-alimentares (ao nível das mentalidades, da propriedade fundiária desadaptada do interesse comum, da inexistência de instrumentos legais eficientes, das erradas políticas de subsídio que destruíram o sector produtivo primário…), para ceder aos interesses de outros países da União, Portugal depende hoje, de forma assustadora e insustentável, do estrangeiro.
Há muito que é para mim incontornável voltar à terra. Será mesmo, não apenas um caminho indispensável do desenvolvimento sustentável, mas uma condição de sobrevivência. E talvez se encontre aí, se quisermos, uma oportunidade para um projecto mobilizador, um desígnio nacional, neste tempo de falta de esperança e de tristeza colectiva. (2)
Se os Governos se dispõem a empregar fartas verbas do erário público na construção de auto-estradas, aeroportos e transportes de alta velocidade, porque não reorganizar as prioridades do investimento público e dedicar uma parte desse esforço para criação de unidades de produção agrícola piloto, disseminadas por todo o território nacional de acordo com as características e as vocações dos lugares, aproveitando o conhecimento e a tecnologia existentes, e estimulando deste modo o regresso à terra? Estou convicto de que um tal movimento poderia dar o impulso necessário ao aproveitamento dos recursos nacionais, físicos e humanos, criando uma fonte sustentável e estrutural de riqueza colectiva.
5. Uma das razões do sucesso do Brasil contemporâneo está em não descuidar as potencialidades internas, a qualidade de vida das suas populações e as actividades relacionadas não apenas com o comércio, a indústria e os serviços, mas também com os negócios agrícolas. Nesse sentido vem apostando na agro-indústria, voltada para o mercado internacional e para o fornecimento local, prossegue a Reforma Agrária e cuida da agricultura familiar como instrumento ao serviço da inclusão social de milhões de brasilei-ros.
Por cá, depois de termos desprezado as nossas potencialidades e arrastado para as periferias urbanas tantas pessoas vindas do campo, levados estupidamente por subsídios ao abandono da terra, na lógica de uma política agrícola desenhada à medida dos interesses dos grandes produtores dos países ricos, estamos perdidos numa insustentável dependência alimentar em relação ao exterior. Por isso, não há tempo a perder se queremos reduzir o deficit e relançar a economia em bases sólidas. Um dos caminhos é fazer com a agricultura e as pescas, por exemplo, o que se está a fazer, com previsível vantagem, no sector da produção de energia, desenvolvendo as energias renováveis, eólica, hídrica e solar (térmica e fotovoltaica), num país dotado pela Natureza de excelentes condições de vento, de rios e de tempo e quantidade de radiação solar, elementos gratuitos que, devidamente aproveitados, reduzem o consumo de recursos, contribuem para a qualidade ambiental e ajudam-nos a diminuir a actual dependência energética do estrangeiro, fazendo-nos colectivamente menos pobres.

Arquitº Silva Garcia


(1) J.J.Silva Garcia, in Discurso de Apresentação da Candidatura à Presidência da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim Auditório Municipal da Póvoa de Varzim . 13 de Maio de 2005;
(2) J.J.Silva Garcia, in Discurso de apresentação do livro HORIZONTES . Reflexões políticas, de José Luís Carneiro), Póvoa de Varzim, 19 de Maio de 2010.

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