Passaram quase 30 anos. Estávamos sentadas no bar da faculdade, a um semestre de terminar o curso, cheias de dúvidas sobre o que iríamos fazer a seguir, se iríamos trabalhar, onde, a fazer o quê. Ela, com uma écharpe e umas argolas pejadas de pérolas disse, segura, com a sua voz anasalada: "Eu vou casar, bem, e ficar em casa a educar os meus filhos." Houve quem se risse, quem gozasse. Eu fiquei atónita porque percebi que aquele era mesmo o plano: casar, "bem", ficar em casa e ter filhos.
Anos depois, encontrei-a na praia, num fato de banho preto com bolas brancas, escondido por detrás de um páreo branco, não trazia pérolas nas orelhas, mas ao pescoço, e tentava controlar uma ninhada, toda vestida aos quadradinhos, eles de azul-bebé, elas de rosa clarinho e folhos. Atrapalhadíssima e nuns decibéis acima das ondas que batiam na areia, chamava, com a sua voz anasalada, petit nom atrás de petit nom, tratando-os por "você" — já se sabe, como contam Ana e Isabel Stilwell, há sempre guerras entre irmãos. Com os olhos varri a praia, à procura do pai (que não conhecia), percebi mais tarde que estava sentado debaixo do toldo da família.
Reconhecemo-nos, mas não falámos. Eu só tinha uma pergunta em mente, "sempre cumpriste o teu plano?", e achei por bem não a fazer. Sorrimos e acenámos. Mas tinha de colocar a questão a alguém. Liguei a uma amiga comum, que me respondeu que o marido da colega das pérolas era um advogado de sucesso, que eram uma família ultraconservadora (a indumentária de mãe e filhos já o tinha denunciado) e que, quando ela tinha um jantar de amigas, ele ligava e mandava mensagens a pedir-lhe para voltar para casa, que ele e os filhos estavam "cheios de saudades".
Vivemos um momento em que, aparentemente, os homens se sentem inseguros e têm medo das mulheres, têm medo da sua inteligência (elas estudam mais que eles, é certo), da sua independência e, Liliana Carona acrescenta, da sua beleza. Na sua crónica, a jornalista cita estudos norte-americanos que revelam que "os homens distanciam-se e mostram menos interesse pelas mulheres que os ultrapassavam, a nível de inteligência/capacidades". E assistimos a este movimento entre os jovens rapazes, muitos votantes na extrema-direita não democrática.
Lembrei-me da colega das pérolas quando, nesta semana, se deu a apresentação do livro Identidade e Família — é possível que ela lá estivesse —, e ouvimos tantas palavras vindas do passado, sobre famílias tradicionais e da função da mulher dona de casa. Lembrei-me dela ao ler o texto de Monica Hesse sobre mulheres que ficam em casa e o lazer feminino. A jornalista norte-americana destaca as mulheres que perceberam que a vida pode ser mais fácil se ficarem dependentes de alguém. Se casarem "bem", acreditam que não terão problemas. Há um movimento de influencers nas redes sociais que louvam os benefícios de ser dona de casa. O que Hesse não refere é que muitas destas mulheres são evangélicas ou apoiadas por movimentos evangélicos, os mesmos que apoiam Trump, os mesmos que, por cá, aparentemente estão por detrás do ADN, como escreveu Carmen Garcia há umas semanas.
Mas Hesse foca também a falta de tempo das mulheres trabalhadoras para o lazer (queixa que os homens também terão). No fundo, tudo isto é um pau de dois bicos. Por um lado, conquistámos o direito ao trabalho fora de casa; por outro, o de dentro de casa mantém-se. Por um lado, conquistámos o direito a uma carreira; por outro, somos mal remuneradas — é entre os jovens que o fosso salarial é mais grave. Por um lado, sonhamos com promoções; por outro, estamos exaustas quando chegamos a casa. Diz Monica Hesse: "As mulheres que foram educadas sobre as virtudes da independência feminina foram enganadas. Sim, podemos ter carreiras de sucesso. Mas ninguém diminuiu a quantidade de roupa suja ou de tarefas que ainda precisam de ser feitas. Ninguém acrescentou mais horas ao relógio."
Fomos enganadas porque ainda há homens que "ajudam" lá em casa e não percebem que têm de dividir tarefas. Monica Hesse dá exemplos de mulheres que optaram pela casa até sonharem com um trabalho. "E ela é feliz?", perguntei à minha amiga sobre a colega das pérolas. Fez-se um silêncio: "Eu acredito que o feminismo também é isto, o teres liberdade para viveres a vida que planeaste." Sem dúvida, eu concordo que tens liberdade para viveres o teu sonho, mas não tens de o impor aos outros, não tens de pôr em causa todos os direitos conquistados e quereres que todas tenhamos de ficar em casa, a reproduzir filhos e preconceitos. Além disso, não foi isso que perguntei. "Não a vejo a ter momentos de dúvida. Eles são ultraconservadores", responde a nossa amiga comum.
Assustam-me sempre as pessoas que não têm dúvidas (ou raramente as têm), como é o caso do "cara valente" sobre o qual Ana Lázaro escreve, em mais um dos seus contos. É um homem capaz de tudo, menos de viver emoções — porque os homens não são educados para falarem sobre as suas emoções. "Faltava-lhe o atrevimento, a coragem para o amor. Porque para o amor é preciso bravura. É preciso audácia para mergulhar no desconhecido de uma escuridão profunda que se esconde para dentro de nós." Foi mais uma relação que não resultou na vida da nossa narradora.
Inês Meneses fala-nos da "prateleira da vergonha", aquela onde colocamos as relações que não foram felizes, mas como essas foram importantes para crescermos: "É preciso rir para que o amor possa ser sempre melhor e nos tornemos mais exigentes com ele. Connosco." O psicólogo Jason Wu explica como combater a vergonha pode ajudar a construir um sentido de identidade saudável. Por isso, cara colega das pérolas, se algum dia tiveres dúvidas, não tenhas vergonha e sabe que podes pedir uma indemnização pelo trabalho em casa não remunerado e recomeçar uma nova vida.
Boa semana!