Quando peguei no livro O CONFRONTO DO OLHAR1
senti-me desde logo motivada a lê-lo, uma vez que o subtítulo – o encontro dos
povos na época das navegações portuguesas - deixava antever uma matéria
particularmente interessante no âmbito do expansionismo marítimo do nosso país.
De facto, muito para além de interesses religiosos, económicos e políticos,
houve o interesse pelas gentes, pelo outro, pela novidade que o outro constituía,
fosse pela fisionomia, pelos trajes, língua, rituais, alimentação, entre outros.
A descoberta dos outros era, também, a
descoberta de si mesmos, pois, se há um mundo que “descobre” há outro que é
“descoberto”.
Os autores deste livro, de uma forma muito
interessante, levam-nos nesta viagem de descoberta das cores, sons e cheiros,
ao encontro dos povos com os quais os portugueses contactaram ao longo da sua odisseia
marítima quinhentista: africanos, asiáticos e ameríndios. Numa escrita rigorosa, sob o ponto de vista
histórico, articulam magnificamente os seus textos explicativos com excertos de
grandes obras históricas, por exemplo, a “Carta” de Pêro Vaz de Caminha, e
outro documentos, fazendo-o de uma forma
empolgante, despretensiosa e com sentido
crítico.
Levam-nos até lá e integram-nos nesse
encontro. Olhamos e somos olhados. Retratamos e percepcionamos toda uma realidade cultural e civilizacional
diferente da nossa, enriquecedora, gratificante, ás vezes assustadora, sobretudo quando estamos perante
determinadas práticas, como por exemplo, a antropofagia, rituais religiosos ou
outras. Como referem os autores, o que conta é o Homem, como se soubéssemos o que é o Homem, justamente num momento como
o que vivemos, de uma sociedade profundamente desumanizada. Consideram que esse encontro foi, por isso, marcado por uma certa ambiguidade, uma vez que
a alteridade humana é simultaneamente revelada e recusada.
Para quem gosta de História mas, sobretudo,
para quem gosta de esclarecer dúvidas sobre particularidades daquele encontro
de povos e de culturas, que os livros nem
sempre revelam ou explicam, recomendo este livro.
Alguns excertos do mesmo:
- “(…) a imagem do Africano, e
particularmente do negro (…) enquadra-se (…) na visão do ocidente
tardo-medieval coevo, em particular na iconografia. É marcada pela permanência
de estereótipos (…) associados à cor negra e ao Negro – demónio negro (…)”.
- “(…) os povos africanos convidaram os
portugueses para uma refeição. Acto que naquelas paragens significa bom
acolhimento e amizade. Quando os nautas de Vasco da Gama desembarcaram e viram
a comida, recusaram-na, o que originou um conflito (…)”.
- Sobre o encontro com o índio brasileiro:
“Morto
o triste levam-no a uma fogueira (…)”.Citação da obra cit. do Pe. Fernão
Cardim. “(…) Algum braço ou perna ou outro qualquer pedaço de carne, costumam
assar no forno e tê-lo guardado alguns meses, para depois, quando o quiserem
comer, fazerem novas festas (…) renovar outra vez o gosto (…) como no dia em
que o mataram (…)”. Citação da obra cit. de Pêro de Magalhães de Gândavo
“Os
buracos nos beiços, as tatuagens, eram a sua lei escrita – uma lei da
igualdade. (…) A lei escrita sobre o corpo era uma recordação inesquecível –
não terás o desejo de poder, não terás o desejo de submissão (…) estas marcas
transformam-se na memória da igualdade”.
- “As boas mulheres são muito veneradas de
seus maridos. Os maridos são mandados por elas”. (referência às mulheres
japonesas).
Maria Nazaré
Oliveira
1O Confronto do Olhar (1991) de Luís de
Albuquerque, António L. Ferronha, José da S. Horta e Rui Loureiro, ed. Caminho.