(vídeo) Parte de uma intervenção de JPacheco Pereira:
(...)
Falemos de patriotismo.
Imaginemos 1640 e os conjurados,
imaginemos 1765 e os colonos americanos, imaginemos 1940 e os franceses que
ouviam a palavras de Pétain após a capitulação, tudo situações muito diversas,
mas com uma coisa em comum.
Os portugueses, os colonos americanos
e os franceses, todos ouviram as mesmas palavras, todos ouviram os mesmos
sábios conselhos, todos escutaram apelos à razão, à realidade, ao realismo, à
sensatez, à passividade, à prudência, ao respeito por quem manda, à ordem
estabelecida. Todos também ouviram algumas ameaças: deixem-se estar quietos
porque as consequências serão terríveis, não tenham veleidades que não vão
conseguir alguma coisa, as coisas são como são, a realidade é muito forte e
quem a contestar verá cair-lhe sobre o corpo toda a força dos poderosos.
A realidade. Falemos da realidade.
Ou, como dizem alguns neo-filósofos da direita, que confundem ignorância com desenvoltura
e topete, a p.d.r., a p…. da realidade que atiram à cara dos que dizem que há
alternativas.
Isso é tudo muito bonito, dizem,
muito solidário, muito nobre, mas e a
p.d.r.?
Vamos pois devolver-lhes a realidade
com juros. Com juros como os da Grécia.
Havia algo de pior do que a
realidade, do que a que existia em 1640, 1765 e em 1940? A realidade em 1640
eram os Filipes e Miguel de Vasconcelos, em 1765 eram os casacas vermelhas e os
seus mosquetes, os barcos de Sua Majestade Jorge III e os mercenários do Hesse
e. em 1940, as tropas do Reich de 1000 anos mais a Gestapo, a que em breve se
juntaram as milícias e a polícia francesa.
Em matéria de p.d.r. é difícil haver
melhor. Os tecnocratas da troika e os seus mandantes políticos são anjinhos comparados
com estes mandatários da realidade. Da p.d.r.
Mas não chegou, não era assim tão realidade
como isso, havia, como há sempre, outras realidades, as que nós fazemos.
A Duquesa de Bragança queria ser
rainha pelo menos por um dia e, como nestas coisas as mulheres costumam ir à
frente, disse ao seu homem para conspirar. A realidade ameaçava-lhe separar a
cabeça do corpo, mas ele e os 40 conjurados acabaram por enviar Miguel de
Vasconcelos pela janela a bombar e devolver à origem a outra Duquesa, a de Mântua.
A I República, e bem, resolveu que o 1º de Dezembro tinha que ser feriado e os
nossos patriotas de bandeirinha à lapela, acabaram com ele. É que os conjurados
deviam ser radicais e do Syriza.
A realidade devia dizer ao senhor
Benjamin Franklin que podia fazer uma startup
com os seus para-raios, a John Adams que podia ser um bom advogado de
negócios de Boston, ao senhor Hamilton um eficaz administrador colonial, ao
senhor Jefferson um scholar erudito, ao senhor Washington um bom agricultor e a
mil e um dos “pais fundadores” que podiam ser apenas... pais.
Mas a outra realidade disse-lhes que
“no taxation without representation”, e que o Parlamento inglês não devia
mandar nos colonos americanos que não o elegiam. O resultado é que o chá foi
para o fundo do Porto de Boston e apareceram umas bandeiras com uma víbora e
que diziam: “não me pises”. “Não me pises”, foi assim que foi fundado esse
tenebroso país esquerdista e irreal, os EUA.
Em 1940, - quanto mais perto de nós,
mais a realidade é dura, - o que é que
Pétain disse aos franceses? Aceitem a realidade. E a realidade é a ocupação
alemã. E quais são os interesses da França? Colaborar com o ocupante, ser bom
aluno da Nova Ordem Europeia e fazer o sale boulot dos alemães: perseguir os
judeus, executar os resistentes, combater ao lado das SS. Era o “trabalho de
casa”.
Mas havia em França uns irrealistas
criminosos, um radical esquerdista chamado De Gaulle que foi para Londres
apelar à revolta contra a realidade. Franceses tão radicais como ele, como Jean
Moulin, e franceses menos radicais do que ele, os comunistas depois do fim do
Pacto Germano-Soviético, começaram a trabalhar contra a realidade. E depois foi
o que se viu.
Amigos, companheiros e camaradas
Eu gosto do meu país. É o meu povo, a
minha língua, as minhas palavras e as dos meus, falem "assim" ou
"axim", digam "vaca" ou digam "baca", digam
"feijão verde" ou "vagens".
Portugal é, ou devia ser, o único sítio onde o meu voto manda. Mas o meu
voto manda cada vez menos. Como para os revolucionários americanos, também no
meu país, há “taxation without representation”. Também no meu país há
colaboração, submissão, diktats, Também no meu país, a realidade é feita de
mentiras.
É por isso que o destino dos gregos
não me é indiferente, bem pelo contrário.
Não quero saber se o governo grego
está a fazer tudo bem ou não. Não quero saber se Varufakis é arrogante ou não.
Nem, verdadeiramente, o meu julgamento sobre os gregos está dependente de eles
terem sucesso ou não.
O que eu sei é que houve um governo
na União Europeia que resistiu a cortar mais salários e pensões a quem já tinha
visto salários e pensões cortadas.
Podem falhar, mas resistiram.
O que eu sei é que houve um governo
que quis defender o seu país de ser controlado por estrangeiros e por uma
burocracia transnacional de tecnocratas pedantes que detestam a democracia e
“esnobam” dos políticos. Os "adultos"
que estão na sala.
Podem falhar, mas resistiram.
O que eu sei é que houve um governo
que quis ser fiel às suas promessas eleitorais e que não quis ser uma versão
grega do Senhor Holande, nem dos socialistas que acham que são membros
suplentes do PPE.
Podem falhar, mas resistiram.
Não sei se isto é de esquerda ou de
direita, sei que isto é ser um bom grego. E isso é um exemplo que nós queremos
seguir, para sermos bons portugueses, que gostam do seu país e do seu povo.
Perante uma realidade iníqua há um
valor moral em tentar criar outra realidade que não comece por p..
Se há coisa que a história mostra é
que vale a pena.