quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Não sei se isto é de esquerda ou de direita, sei que isto é ser um bom grego.



(vídeo) Parte de uma intervenção de JPacheco Pereira:


(...)

Falemos de patriotismo.

Imaginemos 1640 e os conjurados, imaginemos 1765 e os colonos americanos, imaginemos 1940 e os franceses que ouviam a palavras de Pétain após a capitulação, tudo situações muito diversas, mas com uma coisa em comum.

Os portugueses, os colonos americanos e os franceses, todos ouviram as mesmas palavras, todos ouviram os mesmos sábios conselhos, todos escutaram apelos à razão, à realidade, ao realismo, à sensatez, à passividade, à prudência, ao respeito por quem manda, à ordem estabelecida. Todos também ouviram algumas ameaças: deixem-se estar quietos porque as consequências serão terríveis, não tenham veleidades que não vão conseguir alguma coisa, as coisas são como são, a realidade é muito forte e quem a contestar verá cair-lhe sobre o corpo toda a força dos poderosos.

A realidade. Falemos da realidade. Ou, como dizem alguns neo-filósofos da direita, que confundem ignorância com desenvoltura e topete, a p.d.r., a p…. da realidade que atiram à cara dos que dizem que há alternativas.

Isso é tudo muito bonito, dizem, muito solidário, muito nobre,  mas e a p.d.r.?

Vamos pois devolver-lhes a realidade com juros. Com juros como os da Grécia.

Havia algo de pior do que a realidade, do que a que existia em 1640, 1765 e em 1940? A realidade em 1640 eram os Filipes e Miguel de Vasconcelos, em 1765 eram os casacas vermelhas e os seus mosquetes, os barcos de Sua Majestade Jorge III e os mercenários do Hesse e. em 1940, as tropas do Reich de 1000 anos mais a Gestapo, a que em breve se juntaram as milícias e a polícia francesa.

Em matéria de p.d.r. é difícil haver melhor. Os tecnocratas da troika e os seus mandantes políticos são anjinhos comparados com estes mandatários da realidade. Da p.d.r.

 Mas não chegou, não era assim tão realidade como isso, havia, como há sempre, outras realidades, as que nós fazemos.

A Duquesa de Bragança queria ser rainha pelo menos por um dia e, como nestas coisas as mulheres costumam ir à frente, disse ao seu homem para conspirar. A realidade ameaçava-lhe separar a cabeça do corpo, mas ele e os 40 conjurados acabaram por enviar Miguel de Vasconcelos pela janela a bombar e devolver à origem a outra Duquesa, a de Mântua. A I República, e bem, resolveu que o 1º de Dezembro tinha que ser feriado e os nossos patriotas de bandeirinha à lapela, acabaram com ele. É que os conjurados deviam ser radicais e do Syriza.

A realidade devia dizer ao senhor Benjamin Franklin que podia fazer uma startup  com os seus para-raios, a John Adams que podia ser um bom advogado de negócios de Boston, ao senhor Hamilton um eficaz administrador colonial, ao senhor Jefferson um scholar erudito, ao senhor Washington um bom agricultor e a mil e um dos “pais fundadores” que podiam ser apenas...  pais.

Mas a outra realidade disse-lhes que “no taxation without representation”, e que o Parlamento inglês não devia mandar nos colonos americanos que não o elegiam. O resultado é que o chá foi para o fundo do Porto de Boston e apareceram umas bandeiras com uma víbora e que diziam: “não me pises”. “Não me pises”, foi assim que foi fundado esse tenebroso país esquerdista e irreal, os EUA.

Em 1940, - quanto mais perto de nós, mais a realidade é dura, -  o que é que Pétain disse aos franceses? Aceitem a realidade. E a realidade é a ocupação alemã. E quais são os interesses da França? Colaborar com o ocupante, ser bom aluno da Nova Ordem Europeia e fazer o sale boulot dos alemães: perseguir os judeus, executar os resistentes, combater ao lado das SS. Era o “trabalho de casa”.

Mas havia em França uns irrealistas criminosos, um radical esquerdista chamado De Gaulle que foi para Londres apelar à revolta contra a realidade. Franceses tão radicais como ele, como Jean Moulin, e franceses menos radicais do que ele, os comunistas depois do fim do Pacto Germano-Soviético, começaram a trabalhar contra a realidade. E depois foi o que se viu.

 Amigos, companheiros e camaradas

Eu gosto do meu país. É o meu povo, a minha língua, as minhas palavras e as dos meus, falem "assim" ou "axim", digam "vaca" ou digam "baca", digam "feijão verde" ou "vagens".  Portugal é, ou devia ser, o único sítio onde o meu voto manda. Mas o meu voto manda cada vez menos. Como para os revolucionários americanos, também no meu país, há “taxation without representation”. Também no meu país há colaboração, submissão, diktats, Também no meu país, a realidade é feita de mentiras.

É por isso que o destino dos gregos não me é indiferente, bem pelo contrário.

Não quero saber se o governo grego está a fazer tudo bem ou não. Não quero saber se Varufakis é arrogante ou não. Nem, verdadeiramente, o meu julgamento sobre os gregos está dependente de eles terem sucesso ou não.

O que eu sei é que houve um governo na União Europeia que resistiu a cortar mais salários e pensões a quem já tinha visto salários e pensões cortadas.

Podem falhar, mas resistiram.

O que eu sei é que houve um governo que quis defender o seu país de ser controlado por estrangeiros e por uma burocracia transnacional de tecnocratas pedantes que detestam a democracia e “esnobam” dos políticos.  Os "adultos" que estão na sala.

 Podem falhar, mas resistiram.

O que eu sei é que houve um governo que quis ser fiel às suas promessas eleitorais e que não quis ser uma versão grega do Senhor Holande, nem dos socialistas que acham que são membros suplentes do PPE.

 Podem falhar, mas resistiram.

Não sei se isto é de esquerda ou de direita, sei que isto é ser um bom grego. E isso é um exemplo que nós queremos seguir, para sermos bons portugueses, que gostam do seu país e do seu povo.

Perante uma realidade iníqua há um valor moral em tentar criar outra realidade que não comece por p..


Se há coisa que a história mostra é que vale a pena.