segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Eleições em Portugal 2015 - um “case study”?





Somos um “case study” e espero que nos próximos tempos sociólogos e cientistas políticos investiguem e façam os inquéritos que nos ajudem a perceber o que se passou.
Está nos manuais políticos que um governo que pratica a austeridade que este praticou e que se apresenta a novas eleições praticamente sem promessas não renova o mandato.
Está nos manuais políticos que um partido da oposição habituado a governar não perde uma oportunidade destas para regressar ao poder e com uma margem confortável.
Está nos manuais da nossa história recente que o povo prefere as facilidades às dificuldades, prefere a ilusão à realidade, prefere o crédito à poupança, prefere mais uma auto-estrada para nenhures do que um défice mais baixo, prefere um tribunal que raramente usa à porta de casa a pagar menos impostos.
Mas este povo, desta vez, preferiu ao contrário, reconduziu aquele governo e derrotou aquele partido da oposição.
Se quisermos usar a comparação fácil que dominou a discussão europeia dos últimos anos, estamos um bocadinho mais alemães e menos gregos.
A coligação ganhou. Perdeu cerca de 10 pontos percentuais, é verdade. Mas é uma vitória indiscutível, porque a tal normalidade dos manuais apontava para a derrota certa.
O PS perdeu. Subiu em relação a 2011, é verdade. Mas há meia dúzia de meses os socialistas imaginavam que, nestas circunstâncias, até o rato Mickey derrotaria o PSD/CDS. Não aconteceu e esse excesso de confiança e uma política ziguezagueante nas propostas e no posicionamento ideológico podem ajudar a explicar a derrota.
O Bloco de Esquerda ganhou. Ganhou muito, é o único a ganhar sem um “mas…”. Duplicou a votação, consolidou a liderança actual depois de anos labirintícos e viu premiada a consistência da sua mensagem e proposta. Provavelmente, retirou a vitória ao PS.
A CDU perdeu. Ganhou um deputado, é certo. Mas o fenómeno do Bloco mostra que havia ali muitos votos de descontentes com o “sistema” para ir buscar e os comunistas não o conseguiram.
E ganharam os institutos de sondagens, claro, que nos diziam há alguns dias que isto ia acontecer – embora tenham desvalorizado a subida do Bloco de Esquerda.
Com estes resultados, os próximos tempos vão ser sinuosos mas deverão ficar longe dos cenários mais exóticos que muitos alimentaram nos últimos dias e nas primeiras horas da noite eleitoral. Uma aliança de esquerda porque a coligação de direita não teve maioria? Ganhem juízo. António Guterres completou um mandato em minoria, ou seja, com uma maioria parlamentar que não tinha votado nele. José Sócrates formou governo em minoria e assim esteve dois anos. E, lá mais atrás, também Cavaco Silva começou a sua carreira de primeiro-ministro com um governo minoritário. Em nenhum destes casos se colocou em cima da mesa o cenário de “golpe de Estado” que agora passou por muitas cabeças.
Valeu, para arrumar de vez com essas tentações, a posição de António Costa no seu discurso de final de noite. O líder do PS teve aqui um sentido de Estado que por vezes lhe falhou durante a campanha eleitoral, nomeadamente quando afirmou que votaria contra um Orçamento do Estado do PSD/CDS, ainda que não conheça o documento.
Na hora da verdade, António Costa recentrou o PS depois de o ter encostado mais à esquerda. Percebeu que a maior fatia do eleitorado não se divorciou da coligação de direita, nem depois de quatro anos de cortes. Entendeu que o caminho escolhido pela maioria da população é o da continuidade do quadro institucional e económico em que o país está: União Europeia, moeda única, contas decentes, esforço para pagar as dívidas que fizemos, alívio cauteloso da austeridade. Aventuras? Rupturas? O tempo não está para experiências.
É a continuação da normalidade, mas de uma nova normalidade. Governa quem tem mais votos e, não dispondo de uma base maioritária no Parlamento, terá de negociar apoios com outras bancadas. No caso concreto, será com os socialistas.
A partir de agora vai reinar a táctica. A próxima batalha serão as Presidenciais. Só depois disso os partidos vão fazer contas ao deve e haver de derrubar um governo minoritário que, provavelmente, não completará a legislatura.
Isso vai depender muito do que acontecer ao PS. Costa vai mesmo continuar a ser secretário-geral? Durante quanto tempo? A forma como chegou ao lugar torna-se agora o seu maior inimigo. Apeou António José Seguro porque este ganhava por poucos e mantém-se no cargo perdendo agora por muitos?
Não sabemos qual foi o primeiro telefonema que António Costa fez quando ficou com uma razoável certeza do resultado eleitoral mas ficava-lhe bem que tivesse sido para Seguro. Para lhe pedir desculpa, obviamente.

* Paulo Ferreira é jornalista e colunista do Observador