Somos um “case study” e espero
que nos próximos tempos sociólogos e cientistas políticos investiguem e façam
os inquéritos que nos ajudem a perceber o que se passou.
Está nos manuais políticos que
um governo que pratica a austeridade que este praticou e que se apresenta a
novas eleições praticamente sem promessas não renova o mandato.
Está nos manuais políticos que
um partido da oposição habituado a governar não perde uma oportunidade destas
para regressar ao poder e com uma margem confortável.
Está nos manuais da nossa
história recente que o povo prefere as facilidades às dificuldades, prefere a
ilusão à realidade, prefere o crédito à poupança, prefere mais uma auto-estrada
para nenhures do que um défice mais baixo, prefere um tribunal que raramente
usa à porta de casa a pagar menos impostos.
Mas este povo, desta vez,
preferiu ao contrário, reconduziu aquele governo e derrotou aquele partido da
oposição.
Se quisermos usar a comparação
fácil que dominou a discussão europeia dos últimos anos, estamos um bocadinho
mais alemães e menos gregos.
A coligação ganhou. Perdeu
cerca de 10 pontos percentuais, é verdade. Mas é uma vitória indiscutível,
porque a tal normalidade dos manuais apontava para a derrota certa.
O PS perdeu. Subiu em relação a
2011, é verdade. Mas há meia dúzia de meses os socialistas imaginavam que,
nestas circunstâncias, até o rato Mickey derrotaria o PSD/CDS. Não aconteceu e
esse excesso de confiança e uma política ziguezagueante nas propostas e no
posicionamento ideológico podem ajudar a explicar a derrota.
O Bloco de Esquerda ganhou.
Ganhou muito, é o único a ganhar sem um “mas…”. Duplicou a votação, consolidou
a liderança actual depois de anos labirintícos e viu premiada a consistência da
sua mensagem e proposta. Provavelmente, retirou a vitória ao PS.
A CDU perdeu. Ganhou um
deputado, é certo. Mas o fenómeno do Bloco mostra que havia ali muitos votos de
descontentes com o “sistema” para ir buscar e os comunistas não o conseguiram.
E ganharam os institutos de
sondagens, claro, que nos diziam há alguns dias que isto ia acontecer – embora
tenham desvalorizado a subida do Bloco de Esquerda.
Com estes resultados, os
próximos tempos vão ser sinuosos mas deverão ficar longe dos cenários mais
exóticos que muitos alimentaram nos últimos dias e nas primeiras horas da noite
eleitoral. Uma aliança de esquerda porque a coligação de direita não teve
maioria? Ganhem juízo. António Guterres completou um mandato em minoria, ou
seja, com uma maioria parlamentar que não tinha votado nele. José Sócrates
formou governo em minoria e assim esteve dois anos. E, lá mais atrás, também
Cavaco Silva começou a sua carreira de primeiro-ministro com um governo
minoritário. Em nenhum destes casos se colocou em cima da mesa o cenário de
“golpe de Estado” que agora passou por muitas cabeças.
Valeu, para arrumar de vez com
essas tentações, a posição de António Costa no seu discurso de final de noite.
O líder do PS teve aqui um sentido de Estado que por vezes lhe falhou durante a
campanha eleitoral, nomeadamente quando afirmou que votaria contra um Orçamento
do Estado do PSD/CDS, ainda que não conheça o documento.
Na hora da verdade, António
Costa recentrou o PS depois de o ter encostado mais à esquerda. Percebeu que a
maior fatia do eleitorado não se divorciou da coligação de direita, nem depois
de quatro anos de cortes. Entendeu que o caminho escolhido pela maioria da
população é o da continuidade do quadro institucional e económico em que o país
está: União Europeia, moeda única, contas decentes, esforço para pagar as
dívidas que fizemos, alívio cauteloso da austeridade. Aventuras? Rupturas? O
tempo não está para experiências.
É a continuação da normalidade,
mas de uma nova normalidade. Governa quem tem mais votos e, não dispondo de uma
base maioritária no Parlamento, terá de negociar apoios com outras bancadas. No
caso concreto, será com os socialistas.
A partir de agora vai reinar a
táctica. A próxima batalha serão as Presidenciais. Só depois disso os partidos
vão fazer contas ao deve e haver de derrubar um governo minoritário que,
provavelmente, não completará a legislatura.
Isso vai depender muito do que
acontecer ao PS. Costa vai mesmo continuar a ser secretário-geral? Durante
quanto tempo? A forma como chegou ao lugar torna-se agora o seu maior inimigo.
Apeou António José Seguro porque este ganhava por poucos e mantém-se no cargo
perdendo agora por muitos?
Não sabemos qual foi o primeiro
telefonema que António Costa fez quando ficou com uma razoável certeza do
resultado eleitoral mas ficava-lhe bem que tivesse sido para Seguro. Para lhe
pedir desculpa, obviamente.
* Paulo Ferreira é jornalista e colunista
do Observador