quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Um Estado forte implementa políticas sociais, distribui a riqueza e defende o princípio da universalidade dos direitos






Economia social: “Existe grande tolerância à pobreza”

Os níveis de pobreza em Portugal são alarmantes e, em tempos de austeridade, aumentou a tolerância a este flagelo. O tema foi debatido no seminário “Estado e terceiro setor: Que novos compromissos”, que o Ei* acompanhou.


“Em Portugal, existe uma grande tolerância à pobreza, uma tolerância que se agravou nos últimos anos”, alertou Carvalho da Silva, coordenador do Centro de Estudos Sociais (CES) – Lisboa. O também sociólogo falava no seminário “Estado e terceiro setor: Que novos compromissos”, que decorreu no dia 18 de junho, no Auditório do edifício-sede do Montepio, na baixa lisboeta.
Perante o contexto de crise, expressão que Carvalho da Silva prefere evitar porque se tornou “uma instituição”, criaram-se novas e diversas necessidades de emergência. “Como é que na atualidade evitamos que esta emergência se torne a normalidade?”, questionou o sociólogo.
Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, um dos convidados desta iniciativa organizada pelo Observatório sobre Crises e Alternativas do CES, Laboratório Associado da Universidade de Coimbra, escolheu a palavra “vergonha” para classificar os níveis de pobreza em Portugal.
O Padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), destacou, por seu turno, três problemas com que nos confrontamos: o desemprego, o envelhecimento e o empobrecimento, lembrando que não é o setor privado que vai investir nas populações mais carenciadas ou nas regiões desertificadas do país.
Por este e outros motivos, Lino Maia defendeu um “Estado forte para proteger os cidadãos”, que seja capaz de implementar políticas sociais, distribuir a riqueza e defender o princípio da universalidade dos direitos. “Não se pode entregar tudo nas mãos das instituições do terceiro setor, para não corrermos o risco de o Estado lavar as mãos do assunto”, afirmou.
Já Eugénio Fonseca é da opinião que deve existir uma “responsabilização comum do Estado e da sociedade civil”, delimitando-se com clareza as áreas de atuação de cada parte. “É preciso saber o que compete ao Estado e à sociedade civil.”

Terceiro setor não se esgota na proteção social”

Refletindo sobre o tema do primeiro painel “Que caminhos para a proteção social?”, Eugénio Fonseca realçou uma ideia que reuniu o consenso de vários interlocutores: “O terceiro setor não se esgota na proteção social”, está a trilhar novos caminhos e é muito transversal na sua atuação, mas deve reforçar a participação no desenvolvimento local.
Encarar o “terceiro setor apenas como proteção social é perigoso do ponto de vista de ajuda às pessoas, nomeadamente nos territórios de baixa densidade”, considerou na mesma linha de pensamento Eduardo Figueira, presidente da Animar – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local. Para uma igualdade de direitos e oportunidades em todo o país, defendeu, é vital haver uma estratégia de desenvolvimento local em que exista uma parceria entre o setor público, social e privado.
O Padre Lino Maia lembrou que “desde a aldeia mais recôndita de Bragança até à ponta mais ocidental da ilha das Flores existe uma IPSS” que age com “espírito de cidadania e gratuitidade” para tentar resolver os problemas de cada região com “consciência de que somos guardas uns dos outros e que cada um deve fazer o que lhe compete”.
Jorge Faria, da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), referiu o papel das autarquias no apoio ao terceiro setor, considerando que estas têm cada vez mais consciência da importância da economia social. “São as entidades que maior número de relações estabelecem no dia-a-dia com as instituições deste setor”, sublinhou.

“Não” à lógica do subsídio como “penso rápido”

Outro ponto debatido no painel “Que caminhos para a proteção social” foi a relevância do Estado contratualizar serviços às instituições do setor social, saindo-se da lógica do “subsídio”.
A este propósito, Rogério Cação, vice-presidente da Federação Nacional das Cooperativas de Solidariedade Social (FENARCECI), afirmou “abominar” a palavra subsídio e considerou que
“o conceito de prestação de serviços vincula as organizações à qualidade”.
Também Eduardo Figueira, da Animar, notou que “temos que forçar o Estado a desempenhar o seu papel, mas em zonas onde o Estado não chega é importante que as instituições sejam pagas pelos seus serviços”.
Na sua intervenção, Eugénio Fonseca frisou igualmente que os “subsídios não podem ser utilizados como pensos rápidos”, alertando que “os verdadeiramente pobres, por falta de informação ou confiança nas instituições, não solicitam os seus direitos”.

“Política é uma das mais altas formas de caridade”

Eduardo Graça, presidente da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), sublinhou, por sua vez, que o terceiro setor é “subalternizado no contexto do desenvolvimento socioeconómico do país, apesar da sua autonomização e dos esforços que têm sido feitos pelos intervenientes nesta área”.
Inspirado nas palavras do Papa Francisco, Eduardo Graça considerou que é preciso denunciar a “cultura do descarte” e da “globalização da indiferença”, reabilitando “a política que é uma das mais altas formas de caridade”. “Não é possível partir um cidadão ao meio para pagar só pela metade o seu trabalho. É preciso respeitar a dignidade no global”, afirmou.

Cooperar mais e encontrar soluções conjuntas

Na mesma ocasião, Rogério Cação afirmou-se como um defensor da cooperação para o terceiro setor, mas observou que ainda existe um longo caminho a percorrer. “Somos um bairro com várias famílias que não cooperam tanto quanto deveriam. É preciso juntar esforços, partilhar ideias e encontrar soluções para criar um espaço de desenvolvimento para a economia social”, frisou.
O presidente da FENARCERCI considerou ainda que as instituições da economia social estão mais fortes depois da crise, porque conseguiram reinventar-se para sobreviver em condições adversas, concluindo que “O que não mata fortalece”.



 29 de junho de 2015 

*Educação informação