Economia social: “Existe grande tolerância à pobreza”
Os níveis de pobreza em Portugal são
alarmantes e, em tempos de austeridade, aumentou a tolerância a este flagelo. O
tema foi debatido no seminário “Estado e terceiro setor: Que novos
compromissos”, que o Ei* acompanhou.
“Em Portugal, existe uma grande
tolerância à pobreza, uma tolerância que se agravou nos últimos anos”, alertou
Carvalho da Silva, coordenador do Centro de Estudos Sociais (CES) – Lisboa. O
também sociólogo falava no seminário “Estado e terceiro setor: Que novos
compromissos”, que decorreu no dia 18 de junho, no Auditório do edifício-sede
do Montepio, na baixa lisboeta.
Perante o contexto de crise,
expressão que Carvalho da Silva prefere evitar porque se tornou “uma
instituição”, criaram-se novas e diversas necessidades de emergência. “Como é
que na atualidade evitamos que esta emergência se torne a normalidade?”,
questionou o sociólogo.
Eugénio Fonseca, presidente da
Cáritas Portuguesa, um dos convidados desta iniciativa organizada pelo
Observatório sobre Crises e Alternativas do CES, Laboratório Associado da
Universidade de Coimbra, escolheu a palavra “vergonha” para classificar os
níveis de pobreza em Portugal.
O Padre Lino Maia, presidente da
Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), destacou, por
seu turno, três problemas com que nos confrontamos: o desemprego, o
envelhecimento e o empobrecimento, lembrando que não é o setor privado que vai
investir nas populações mais carenciadas ou nas regiões desertificadas do país.
Por este e outros motivos, Lino Maia
defendeu um “Estado forte para proteger os cidadãos”, que seja capaz de implementar
políticas sociais, distribuir a riqueza e defender o princípio da
universalidade dos direitos. “Não se pode entregar tudo nas mãos das
instituições do terceiro setor, para não corrermos o risco de o Estado lavar as
mãos do assunto”, afirmou.
Já Eugénio Fonseca é da opinião que
deve existir uma “responsabilização comum do Estado e da sociedade civil”,
delimitando-se com clareza as áreas de atuação de cada parte. “É preciso saber
o que compete ao Estado e à sociedade civil.”
Terceiro setor não se esgota na proteção social”
Refletindo
sobre o tema do primeiro painel “Que caminhos para a proteção social?”, Eugénio
Fonseca realçou uma ideia que reuniu o consenso de vários interlocutores: “O
terceiro setor não se esgota na proteção social”, está a trilhar novos caminhos
e é muito transversal na sua atuação, mas deve reforçar a participação no
desenvolvimento local.
Encarar o
“terceiro setor apenas como proteção social é perigoso do ponto de vista de
ajuda às pessoas, nomeadamente nos territórios de baixa densidade”, considerou
na mesma linha de pensamento Eduardo Figueira, presidente da Animar –
Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local. Para uma igualdade de
direitos e oportunidades em todo o país, defendeu, é vital haver uma estratégia
de desenvolvimento local em que exista uma parceria entre o setor público,
social e privado.
O Padre Lino
Maia lembrou que “desde a aldeia mais recôndita de Bragança até à ponta mais
ocidental da ilha das Flores existe uma IPSS” que age com “espírito de
cidadania e gratuitidade” para tentar resolver os problemas de cada região com
“consciência de que somos guardas uns dos outros e que cada um deve fazer o que
lhe compete”.
Jorge Faria,
da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), referiu o papel das
autarquias no apoio ao terceiro setor, considerando que estas têm cada vez mais
consciência da importância da economia social. “São as entidades que maior
número de relações estabelecem no dia-a-dia com as instituições deste setor”,
sublinhou.
“Não” à lógica do subsídio como “penso rápido”
Outro ponto
debatido no painel “Que caminhos para a proteção social” foi a relevância do
Estado contratualizar serviços às instituições do setor social, saindo-se da
lógica do “subsídio”.
A este
propósito, Rogério Cação, vice-presidente da Federação Nacional das
Cooperativas de Solidariedade Social (FENARCECI), afirmou “abominar” a palavra
subsídio e considerou que
“o conceito de prestação de serviços vincula as organizações à qualidade”.
“o conceito de prestação de serviços vincula as organizações à qualidade”.
Também
Eduardo Figueira, da Animar, notou que “temos que forçar o Estado a desempenhar
o seu papel, mas em zonas onde o Estado não chega é importante que as
instituições sejam pagas pelos seus serviços”.
Na sua
intervenção, Eugénio Fonseca frisou igualmente que os “subsídios não podem ser
utilizados como pensos rápidos”, alertando que “os verdadeiramente pobres, por
falta de informação ou confiança nas instituições, não solicitam os seus
direitos”.
“Política é uma das mais altas formas de caridade”
Eduardo
Graça, presidente da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES),
sublinhou, por sua vez, que o terceiro setor é “subalternizado no contexto do
desenvolvimento socioeconómico do país, apesar da sua autonomização e dos
esforços que têm sido feitos pelos intervenientes nesta área”.
Inspirado
nas palavras do Papa Francisco, Eduardo Graça considerou que é preciso
denunciar a “cultura do descarte” e da “globalização da indiferença”, reabilitando
“a política que é uma das mais altas formas de caridade”. “Não é possível
partir um cidadão ao meio para pagar só pela metade o seu trabalho. É preciso
respeitar a dignidade no global”, afirmou.
Cooperar mais e encontrar soluções conjuntas
Na mesma ocasião,
Rogério Cação afirmou-se como um defensor da cooperação para o terceiro setor,
mas observou que ainda existe um longo caminho a percorrer. “Somos um bairro
com várias famílias que não cooperam tanto quanto deveriam. É preciso juntar
esforços, partilhar ideias e encontrar soluções para criar um espaço de
desenvolvimento para a economia social”, frisou.
O presidente
da FENARCERCI considerou ainda que as instituições da economia social estão
mais fortes depois da crise, porque conseguiram reinventar-se para sobreviver
em condições adversas, concluindo que “O que não mata fortalece”.
29 de junho de 2015
*Educação informação