OS NOSSOS FILHOS, EM CASA, NA RUA,
NO PASSEIO, NO LICEU, NO COLÉGIO
Outubro, 1871.
Leitor! Leitora! – falemos dos vossos filhos.
Levantemos a mão das fraquezas, dos ridículos, das misérias do nosso tempo, e
consagremos esta página aos mais puros e aos mais vitais dos nossos interesses.
Conhecemo-los – os vossos filhos. Temo-los visto, ao
voltar do colégio, com os babeiros brancos, os chapéus mais velhos, o cabelo
despenteado e o dedo sujo de tinta, esfarpando de encontro às pedras os bicos
dos sapatos, enquanto o vosso criado, com os compêndios do Sr. João Félix
presos por uma correia debaixo do braço, os segue pausadamente conversando em
coisas líricas com a criada da vossa vizinha.
Vimo-los no liceu, no dia do primeiro exame, pálidos
de concentração e de susto, imóveis, extáticos, com os olhos pasmados na
espessura dos seus juízes, lembrando-se um pouco mais das orações que vós
rezastes por eles, ó mães, do que das lições que vós lhes destes, 6 mestres!
Tínhamo-los também visto no Passeio Público, em noites
de concerto, dançando ao pé do quiosque, eles fingindo-se grosseiros para se
darem o chique de velhos colegiais, elas sérias e graves, voltando o rosto por
cima do ombro para contemplarem como pequenas senhoras a cauda hipotética dos
seus vestidos.
Elas e eles são pálidos, têm as gengivas
esbranquiçadas, os dentes baços, as pestanas longas, as pálpebras oftálmicas,
os cantos da boca levemente feridos, o sorriso triste, os movimentos indecisos
e fracos, o olhar quebrado.
Precisam de tomar banhos frios, de comer carne ao
almoço, de beber uma colher de óleo de fígados de bacalhau todos os dias, de
fazer ginástica, e de que se lhes corte o cabelo.
Além do cabelo extremamente longo –
o que equivale perante a química e perante a fisiologia a um dispêndio de ferro
com que não podem as constituições anémicas dos vossos pequenos – notamos ainda
excessos de toilette cuja voga dá o seguinte resultado: Em parte alguma
do mundo se encontram crianças tão mal vestidas como em Lisboa.
A gente rica veste os seus filhos de veludo, com meias
de seda e plumas no chapéu. Há tipos calabreses, escoceses, marinheiros,
boleeiros... A gente pobre, que não pode adoptar integralmente os modelos
consagrados na mascarada das crianças burguesas, veste os seus pequenos de cães
sábios. – O que é de uma iniquidade verdadeiramente horrível, porque, enfim,
ninguém pode evitar que os nossos filhos sejam os herdeiros forçados das nossas
enfermidades e das irregularidades das nossas feições, mas é demais abusar dos
direitos da paternidade até ao ponto de converter uma criaturinha graciosa e
simpática no cabide irrisório das depravações artísticas do nosso gosto!
Ide ver as crianças, como nós as temos visto, aos
domingos de tarde no passeio da Estrela ou em S. Pedro de Alcântara. Lá
encontrareis os meninos vestidos de colegiais franceses, de guardas-marinhas ou
de empregados do caminho de ferro, de postilhões, de huguenotes, de puritanos,
e, sobre isto, as compósitas das toilettes de capricho, em que o
hediondo toma profundidades de expressão prodigiosamente alucinantes: as botas
cor de pulga com atacadores encarnados e biqueiras de verniz, chapéu de palha
atado por baixo da barba com um laço de fita, vestido verde e paletó encarnado,
coisas medonhamente semelhantes ao trajo de um macaco que dança ao som de um
realejo.
Desafiamos-te, leitor, a que entre todos esses
pequenos nos mostres duas crianças vestidas simplesmente – de crianças: com
sapatos rasos, largos e grossos, e um fato cómodo, lógico, sensato, de linho no
verão e de lã no inverno, que permita ao rapaz que o tem usar livremente de
todos os seus movimentos e de toda a sua força, sem vontade de olhar para a
sombra que vão fazendo nos muros, nem de se considerar perpetuamente tutelado
pelo verniz das suas botas ou pelo delicado estofo da sua túnica.
Conversai por um momento com esses pobres forçados à
grilheta do aparato, e vereis com que ideias a primeira educação das amas e das
criadas enche a imensa capacidade que tem a memória desde os dois anos até aos
seis! Eles estão convencidos de que o judeu que lhes vendeu tâmaras à porta do
jardim tem uma cauda no fim das costas; que o mundo foi feito pelo Jesus; que
as doenças, os desastres e os aleijões são castigos dados pelo Jesus; que as
trovoadas são o Jesus que ralha com a gente. De sorte que para eles o doce
mártir da dedicação e do amor da humanidade que suas mães adoram de joelhos,
fica reduzido ao chaveiro de todos os males ao despenseiro de todas as
desgraças, ao pasteleiro de todos os desgostos! Não conhecem tão antipático,
tão monstruoso tão terrível como Jesus, senão um ente que existe em casa de
cada um deles, escondido nos quartos escuros, à espera que os meninos passem
para os devorar. É o papão. O pai é uma espécie de flagelo intermediário dos
dois referidos, um ministro da polícia enviado extraordinário e representante
efectivo dos verdugos invisíveis e místicos. Quando o Jesus não ralha porque
não há electricidade atmosférica, e o papão se não manifesta porque estão luzes
em todos os quartos, diz-se-lhes: Esperem que ali vem o papá ! quer dizer, o
emissário de Jesus, que substitui os trovões pelos puxões de orelhas, e o
substituto do papão, que espanca os meninos feios enquanto o papão se não
resolve definitivamente a mastigá-los.
A única instrução séria que se lhes deu na primeira
infância foi o catecismo. O Padre Nosso caiu-lhes na memória como a toada
sonolenta e monótona de uma melopeia maquinal, de cuja intenção e de cujo
sentido – mesmo literal eles não têm a mínima ideia. Outro tanto lhes sucede
com os mandamentos da lei de Deus e com os pecados mortais. Nada mais
edificante, sobre a falsa educação religiosa que nós cuidamos dar a nossos
filhos, do que ouvirmos as suas respostas quando lhes perguntamos o que
entendem por esta palavra que os obrigamos a repetir duas ou três vezes por dia
– Luxúria – ou a sua interpretação para esta frase que igualmente nos
esforçamos por lhes fazer decorar: Não invejar a mulher do teu próximo!
Uma pequenina nossa amiga entende que a luxúria é o pecado do demasiado
luxo, e que guardar castidade consiste em não murmurar contra os
castigos.
Tais são as coisas que nossos filhos aprendem em
nossas casas até à idade dos seis anos!
Chega finalmente a época de entrarem no colégio.
O colégio é uma casa triste, sombria, impregnada
daquele cheiro abafante que deixa no ar a aglomeração das crianças. O colégio
tem um guarda-portão de aspecto duro, homem habituado a pagar-se nas lágrimas
dos colegiais pequenos das diabruras que os grandes lhe fazem. As paredes têm
riscos e letras a lápis; no chão escuro há pedaços de papéis rasgados; a
disposição das camas, o aspecto seco dos prefeitos, as maneiras dos criados dão
aos dormitórios um ar de hospital. As aulas, sujas pela lama que trazem as botas
dos externos, os bancos lustrados pelo uso, as carteiras de pinho pintadas de
preto, os transparentes das janelas manchados pela chuva, a lousa negra
polvilhada de giz a um canto da casa, o rodapé da banca do professor de baeta
lagrimejada de tinta, infundem uma tristeza lúgubre. Tudo quanto pode converter
o trabalho num objecto de repulsão e de horror acha-se felizmente reunido na
maior parte dos colégios portugueses. As mulheres, que a experiência tem
provado possuírem muito mais aptidão para o ensino do que os homens, são
geralmente excluídas do professorado nos colégios de alunos do sexo masculino.
O ensino é ordinariamente feito por sábios de pouco preço, para os quais os
âmbitos da ciência bem como os da sociedade são igualmente cheios das trevas mais
augustas e mais impenetráveis. Por via de regra, literato falido, escritor
malogrado, crítico inédito, o magister tem a pedanteria das pequenas
letras e as severidades da alta magistratura, envoltas num exterior intonso,
com maneiras de uma gravidade suspeita e de um exemplo contestável. No entanto
como no tocante às maneiras do aluno tudo quanto se exige é que ele seja
aprovado no seu exame de civilidade, lá estão para suprir tudo os compêndios do
Sr. João Félix, vigoroso freio para que o estudante nunca escarre na cara das
pessoas de respeito nem arrote com repreensível estampido quando jantar na alta
sociedade. Poupa o trabalho de dar exemplos a comodidade de possuir um livro
assim, que permite ao preceptor dizer simplesmente o seguinte a um homem que
vai entrar no mundo: «Releia o seu João Félix, e conserve-se sempre de
sobreaviso sobre as expectorações e sobre os gases».
O mesmo que sucede com a civilidade é exactamente o
que se dá com todos os demais capítulos em que se divide a educação da infância.
A preocupação única e exclusiva dos preceptores é que
os seus alunos estejam quietos no colégio e sejam no fim do ano lectivo
aprovados no Liceu Nacional. Para conseguir a aprovação dos estudantes nos
exames que eles façam, o preceptor emprega todos os esforços e todos os meios,
excepto talvez um único -, que é o de lhes ensinar o objecto sobre que tem de
versar o exame.
Para se ajuizar dos outros meios que dão em resultado
a aprovação dos alunos, cumpre saber-se que o júri dos exames é composto de professores
do liceu. Estes senhores têm organizado o programa das suas perguntas e feitos
os pontos que no fim do ano serão tirados à sorte para indicar a passagem sobre
que tem de passar-se exame. Ora neste caso o modo mais simples e mais lógico de
conseguir a aprovação seria haver o programa das perguntas e a colecção dos
pontos. Assim quinze dias bastariam para que o aluno decorasse os textos sobre
que tinha de tirar o ponto, e o êxito do exame não poderia ser, depois disso,
duvidoso. Sucede porém que os lentes do liceu insistem em não vender os pontos
pela razão um tanto frívola de que isto seria a mais sórdida das veniagas e o
mais abjecto dos subornos. Aqui principiam os trabalhos memoráveis a que se dá
o preceptor para assegurar o futuro científico e literário do seu aluno.
– Homem! deixe-me levar os pontos aos rapazes!
– Não! isso não! leve-lhes tudo quanto quiser, menos
os pontos! Quer uma coisa?... Leve-me a mim – por vinte mil réis por mês – mas
os pontos não! nunca!
– Bem! basta! Não falemos mais nos pontos, e venha daí
você!
Assim é que os professores públicos do Liceu Nacional,
vogais do júri dos exames no mesmo liceu, não vendem os pontos aos colégios
particulares mas exercem neles o magistério. Há professor no liceu de Lisboa
que ensina particularmente a disciplina de que é examinador em oito diferentes
colégios de educação de rapazes! Não há nisto sombra de corrupção nem desaire
de espécie alguma. Somente acontece – e isto é um facto extremamente
secundário! – que de cada cem alunos que concorrem a exame no liceu podemos
afoitamente computar em noventa o número dos que ignoram as disciplinas em que
são julgados aptos. Se os ilustres professores nos quiserem honrar com o seu
desmentido, requeremos uma sindicância às escolas e provaremos com factos que
de cem alunos aprovados em latinidade no ano de 1870 não haverá seis que em
1871 traduzam correctamente meia página de qualquer autor latino à nossa
escolha.
São enormes, são pavorosos os males que resultam dos
simples factos que acabamos de indicar.
Em primeiro lugar os alunos habituam-se desde a
infância, nos primeiros actos da sua vida civil, a descrerem do mérito, do
trabalho e do estudo, e a contarem para todo o êxito com a falseação das
provas, com a mercancia da justiça e com a omnipotência do compadrio – perfeita
iniciação para uma existência de intriga, de indolência e de desonra.
Os pais, quites para com as suas consciências dos
encargos da educação que devem a seus filhos pelo facto de haverem delegado
noutros esses encargos, contentam-se em participar aos parentes que o menino
continua a ser aprovado nos seus exames, até que, aos dezasseis ou dezassete
anos, o colégio devolve à família plenamente aprovado em todos os seus estudos
o menino que a família lhe confiara, e o pai encontra-se então, frente a
frente, no seu campo, na sua loja, na sua oficina ou no seu lar doméstico, com
um mancebo aproximadamente inútil para toda a espécie de emprego. Todas as
faculdades desse pequeno homem, em que a barba principia a repontar com as
paixões ardentes da puberdade, estão inertes, enervadas ou corrompidas.
Enquanto à educação do espírito sabe pouco e mal o que
lhe ensinaram, não sabe quase nada o que devia saber.
Pelo que respeita ao corpo, se vem de um bom colégio,
sabe de ginástica o suficiente para fazer dele um mau arlequim, mas nunca
empregou a sua força nos exercícios verdadeiramente úteis a um homem. Não está
habituado à fadiga das marchas, não sabe defender-se se o esbofetearem, não
sabe nadar, desconhece os princípios mais rudimentares da higiene.
No que toca às suas faculdades de coração, nunca amou
ninguém. Partido o afecto instintivo que o rendia à família, viveu no baixo
egoísmo dos reclusos. Desconhece o doce prazer de se sacrificar. Nunca teve a
sua parte nos interesses delicados da família, nunca subiu de corrida uma
ladeira para chamar um médico para seu pai; nunca se bateu aos murros por
alguma grosseria da rua dirigida aos bibes das suas pequenas irmãs, que ele
estivesse encarregado de acompanhar à escola; nunca defendeu, nem consolou, nem
acariciou sua mãe. A única mulher que deixou na breve existência dete uma
lembrança secreta, ardente, devoradora, foi talvez uma, de longas saias
engomadas e ruidosas que, passando na rua, lhe sorriu para a janela do colégio,
de um modo estranho, em certo dia em que ele fizera exame de retórica...
Na Escola Politécnica, na Universidade, num escritório
comercial ou na casa paterna esse rapaz deixará correr descuidadamente a sua
existência pelo declive fácil em que o puseram, sem estímulos afectuosos, sem
vontade, sem energia, sem força, sem consciência e sem carácter.
E esta será a bitola dos futuros cidadãos portugueses!
Nós mesmos fomos já educados assim. Vede o que estamos
sendo! Vede os homens que deitámos! Vede o país que fizemos e a sociedade que
constituímos!
Principiamos por desconhecer a nossa missão na
humanidade. A família enfraquece por toda a parte. O hospício dos expostos em
Lisboa contava no primeiro dia do corrente mês de Outubro 15099 crianças
repudiadas por seus pais. A roda dos expostos joga com outra roda na
administração do país – a roda da lotaria. A lotaria sustenta a Misericórdia. O
jogo protege a prostituição. A tavolagem adopta o bordel. E a mancebia abjecta
da batota e do prostíbulo abençoada pelo Estado e acarinhada pelo país.
E nós vivemos nisto, nesta repulsiva podridão,
complacentes, descuidados, felizes, dando a todo o mundo moral o espectáculo da
maior degradação e da maior baixeza em que poder cair uma sociedade.
Na ciência, na literatura e na arte estamos estacados,
imitando servilmente as obras de nossos pais, atestando a ignorância mais
flagrante, esterilizados nas nossas faculdades inventivas, narcotizados pelo
tabaco de que abusamos como nenhum outro país da Europa, sem uma ideia elevada,
sem um pensamento generoso, sem uma voz, sem um grito, sem um gesto que
penetre, esclareça e vibre este velho mundo devasso e tonto.
Na política a nossa história actual é a abdicação por
inépcia de todos os foros e de todas as franquias de liberdade conquistadas
pela geração que nos precedeu. Vede a representação nacional. 0 nosso
parlamento tem muitos defeitos, mas todos eles procedem de um vício capital,
irremediável, sem cura – a incapacidade intelectual para compreender o
maquinismo do mundo moderno, perceber a lei das novas evoluções sociais, e
debater com perfeito conhecimento do sistema da universalidade moral que nos
governa os altos interesses do tempo a que pertencemos. Com menos eloquência,
com menos ardor, com menos fé que em 1836 os actuais deputados da nação vivem
ainda a equilibrar as velhas dúvidas pulverulentas e desengonçadas do
estabelecimento do sistema parlamentar. No entanto no resto do mundo os
acontecimentos científicos, sociais e políticos precipitam-se vertiginosamente
, criando transformações que os antigos tempos não viam senão de uma gestação
de séculos. Dentro de poucos anos a Itália unifica-se; a coroa de Roma cai da
fronte do Papa; os Bourbons são expulsos da Espanha; os Bonapartes fogem da
França; constitui-se o império alemão; a América emancipa os seus escravos; a
Europa perfura o Monte Cenis e abre o canal de Suez; em Paris estala a
revolução social que no primeiro dos seus relâmpagos abre um abismo de sangue;
a classe operária agita-se por toda a parte, e o murmúrio, profundo como o do
Oceano, que ela está fazendo na sombra, abala a confiança que tinha em si a
propriedade e o capital, e obriga as classes médias, em cujo poder jaziam desde
a revolução francesa os destinos da civilização, a lembrarem-se de que a
realeza, o clero e a aristocracia tiveram sobre o mundo antigo, assim como a
burguesia sobre o mundo moderno, o seu tempo de domínio; que uma lei histórica
lhes arrancou o poder num momento, e que a hora do presente regime pode soar
amanhã, assim como sucessivamente soou, irrevogável e fatal, a de cada um dos
domínios que têm senhoreado a humanidade. Isto pondera-se, medita-se,
discute-se em todos os parlamentos. Em Portugal sana-se a questão apagando as
luzes e fechando à chave a sala das conferências democráticas. Têm os políticos
portugueses alguma leve notícia do que se está passando no mundo? Ignoramo-lo.
Os partidos avançados o que querem? Novas liberdades em uma Carta reformada e a
máxima descentralização nos diferentes ramos da administração pública. Ora
enquanto à liberdade está-se provando em cada dia que nem da que possuímos
temos aprendido a usar. Enquanto à descentralização a civilização portuguesa
pararia no dia em que a votassem. Quereis uma prova? Há distritos em que o
número das escolas tem duplicado nos últimos anos; pois bem: o número dos
alunos é igual ao do tempo em que as escolas eram de metade!
A verdade é que a civilização, bem como a liberdade, se não decreta. Só há
um único meio de a alcançar: é merecê-la.
Há muito tempo que os governos portugueses, todos bem
intencionados e honestos, longe de resistências, não encontram senão dedicações
no espírito público; e não obstante vão caindo todos sucessiva e rapidamente.
Sabeis por que caem? Caem simplesmente pela ignorância. E câmaras e câmaras
sucessivas, tiradas de todas as condições e de todas as hierarquias sociais,
não dão de si um grupo de homens com a capacidade intelectual precisa para
firmar o poder.
Possam os nossos filhos reclamar a felicidade a que
seus pais não têm direito, apresentando-se ao futuro com merecimentos que nós
não podemos invocar! Suspensão de veemências e de ironias! Trata-se da
infância. Não nos dirigimos aos políticos. Conversamos honrada e sinceramente
contigo, leitor amigo, e contigo, leitora honesta; descansamos por uns momentos
no chão as nossas armas para vos estendermos a mão.
Pesa sobre vós uma responsabilidade tremenda. No
estado em que se acha a sociedade portuguesa a família é um duplo refúgio – do
coração e do espírito.
A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é
lícito em Portugal a um homem honrado influir para o bem no destino do seu
século.
Querido leitor! o modo mais eficaz de seres útil à tua
pátria é educares teu filho. Consagra-te a ele. A educação pública é uma burla
atrozmente vergonhosa. Não lhe entregues a criança que o destino te confiou.
Educa-o tu. Se não souberes mais, procura pelo menos torná-lo forte, ensina-lhe
a ler e a escrever, dá-lhe um ofício e fá-lo um homem de bem; ele de si mesmo
se fará um sábio, se tiver de o ser. A ignorância tem isso de bom: que se
desfaz aprendendo. A falsa instrução tem esta perfídia: não dá o ensino e inibe
de o tomar.
As Farpas, Tomo VIII (extractos)
in http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ortigao.htm