terça-feira, 21 de abril de 2015

Mais uma tragédia nas costas da Líbia - Chega de condolências hipócritas





O que separa os fortes dos fracos é fazer as coisas acontecer. E a Europa não está a fazê-lo. Talvez um dia perceba que é por estas e por outras que abdicou da sua relevância internacional.
Na semana passada, afundou-se uma embarcação de migrantes, 24 horas após a sua partida da costa da Líbia, estimando-se 400 mortes. Foi mais um caso, numa longa série de naufrágios no mar Mediterrâneo, convertido em cemitério de gente que fracassou na fuga à má sorte de uma vida sem condições ou dignidade. Mas foi também uma desgraça maior do que a de Lampedusa, em 2013, quando morreram 360. À época, gerou-se um intenso debate e generalizou-se a convicção de que se impunha uma resposta europeia. Desta vez, foi uma notícia como outra qualquer, daquelas que narram desastres longínquos. Só agora, com a informação de um outro naufrágio que consumiu 700 vidas, talvez mais, o assunto penetrou definitivamente na agenda. A rotina do horror tornou-nos indiferentes?
Os discursos dizem que não. Ontem, o Papa Francisco e líderes europeus assinalaram a urgência do drama, comprometeram-se com medidas rápidas e propuseram uma reunião de emergência. Mas, infelizmente, as acções sugerem que sim, que essa indiferença ganhou raízes na política europeia. Em 2013, após Lampedusa, surgiu o programa Mare Nostrum, com a missão de patrulhar as águas e salvar vidas. Hoje, esse programa foi descontinuado e arrumado nos arquivos. Durou pouco, não pelos resultados mas porque custava muito dinheiro – cerca de 9 milhões de euros/ mês. No seu lugar, emergiu uma versão low-cost, com proporcional redução do perímetro de acção, mais próximo da costa italiana e mais longe dos pontos críticos de naufrágio. Isto enquanto se observa um aumento dos fluxos migratórios de gente desesperada por escapar de uma Líbia desfeita e tornada viveiro de todo o tipo de tráfico e terrorismo. Tudo somado, as consequências estão à vista: morreram este ano mais de mil pessoas a atravessar o Mediterrâneo, vinte vezes mais do que em igual período do ano passado (47). Podemos até questionar a fiabilidade dos números – muitos terão morrido no anonimato, longe de tudo e todos e destas estatísticas. Não podemos é fingir que a Europa está a conseguir lidar com a situação.
Haverá muitas razões que justifiquem essa incapacidade, até porque este é um tema complexo e sem resolução simples. Mas reconhecer essa complexidade não é o mesmo do que aceitar o ser difícil como legitimação para a inacção política (ou para a tradicional opção europeia de empurrar os problemas com a barriga). Neste caso, a raiz do impasse é também outra: a Europa vive paralisada pela crise, pela necessidade da gestão delicada dos vários orçamentos nacionais e pelo receio da afirmação de partidos populistas de direita anti-imigração. É difícil imaginar um cenário pior para se lidar com migrantes náufragos: ninguém quer acarretar com custos financeiros e ninguém quer assumir os custos políticos de acolher imigrantes numa Europa onde a imigração é, lamentavelmente, cada vez mais o tema sensível em que se evita tocar. É uma tempestade perfeita. Mas é uma intempérie que a Europa tem de atravessar. Afinal, não estão apenas milhares de vidas em risco, mas também a credibilidade europeia no contexto da ordem internacional: o que vale a Europa se a defesa dos seus valores nunca saltar dos discursos para a realidade?
É esse o desafio que está na mesa a ganhar pó: através da acção política, reconhecer que a tragédia diária que nos chega pelo mar é um problema moral e político dos europeus, não apenas uma maçada logística que, por coincidência geográfica, acontece às portas da Europa. E é este o embaraço a que se assiste. A Europa reconhece a gravidade da situação, sabe o que deve e o que tem de ser feito mas, entre o medo dos populismos e a falta de força, só o fará quando não tiver alternativas. Quando se sentir obrigada a admitir que esta é mesmo uma questão europeia, que testa a capacidade dos Estados-membros da UE para implementar aquilo que apregoam – a defesa incondicional dos direitos humanos e da dignidade humana. Até lá, recorre-se à técnica do penso-rápido – não resolve, mas ajuda. E isso, obviamente, não chega.
Falar é fácil, dar lições de moral também, mas o que separa os fortes dos fracos é fazer as coisas acontecer. E a Europa, amarrada pela crise e pelos populismos anti-imigração, não está a fazê-lo. Talvez um dia os europeus percebam que é por estas e por outras incapacidades que abdicaram da sua relevância (política e moral) na ordem internacional. Agora, enquanto se espera que a Europa reúna e decida se tem ou não a coragem para fazer a diferença, resta cruzar os dedos e ir fazendo as contas: quantos mais terão de morrer no Mediterrâneo até que a Europa assuma as suas responsabilidades?



Alexandre Homem Cristo 
in http://observador.pt/opiniao/quantos-mais-terao-de-morrer-no-mediterraneo/




Mais sobre este assunto:
http://observador.pt/explicadores/morrem-tantas-pessoas-no-mediterraneo/

Política europeia para refugiados é fragmentada



Não, não tem de ser assim: milhares de africanos afogados no Mediterrâneo para não morrerem de fome




Não, não tem de ser assim - milhares de africanos afogados no Mediterrâneo para não morrerem de fome, milhões e milhões de europeus humilhados pelo desemprego e milhões de portugueses empobrecidos de mão estendida nas sopas dos pobres.
Os fatalismos nada resolvem exceto salvar ditadores. A economia só faz sentido ao serviço das pessoas. Tudo o mais não tem justificação, nem explicação. É mentira. É egoísmo. É sacar aos mesmos de sempre. É roubar. É matar. É servir-se em vez de servir a comunidade. É perverso.
Não venham com mais cantigas do ceguinho ou vozitas de sereia a dizer que a vida é assim.
Não há céu na terra, eu sei. Mas no país, na Europa, no Mediterrâneo, não há vida, há morte. E é até proibido, é impossível sonhar!


Revejo-me inteiramente neste texto do Dr. Carlos Moreno.
Um texto extraordinário que retrata esta terrível, dramática e impiedosa realidade dos nossos dias.
Está tudo aqui. Tudo!

O valor da Liberdade - diálogos sobre as possibilidades do humano












"O Valor da Liberdade - diálogos sobre as possibilidades do humano" é um documentário da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da SIC Notícias sobre liberdade e desenvolvimento.

Nos vários episódios, os convidados pensam e discutem as causas, consequências e dilemas da liberdade. 

A ênfase é colocada no pensamento: original e informado, marcado pelas experiências de vida e de reflexão dos vários protagonistas, entre os quais se contam  nomes sonantes da filosofia, política e economia: Gilles Lipovetsky, Fernando Henrique Cardoso e Dani Rodrik. 

Se gosta de pensar "fora da caixa" esta mini-série interessa-lhe.



Ficha técnica

Autoria, Entrevistas: José Tavares
Autoria, Realização: Joana Pontes
Imagem: Rui Xavier, José Maria Cyrne, João Ribeiro
Som: Armanda Carvalho
Imagem adicional: Rui Branquinho, João Nunes
Montagem, correcção de cor: Rui Branquinho
Pesquisa: Catarina Martins, Maria João Torgal
Pós-produção áudio: Billyboom Sound Design
Genérico: Terra Líquida Filmes
Música: Healing Waters by Olive Musique
Produção: Patrícia Faria/BEST XXI



quinta-feira, 16 de abril de 2015

As meninas da Nigéria






Foi há um ano que ficámos chocados por terem sido raptadas durante a noite 276 meninas na Nigéria. Já tinha havido notícias de raptos, mas o número nunca fora tão elevado.
Desde então, em vez do resgate das crianças, soubemos que, pelo contrário, foram raptadas muitas mais e que foram mortas centenas de crianças e professores em escolas da Nigéria.

Que tempos negros estes em que a violência recrudesce e parece não ter fim!

A chamada comunidade internacional só intervém rapidamente quando há petróleo. 
Que mundo este em que vivemos!

E nós, que só temos mesmo a arma da palavra, temos de prosseguir, "numa fiel dedicação à honra de estarmos vivos", como dizia Jorge de Sena, na sua memorável Carta a seus filhos sobre os fuzilamentos de Goya.



(Palavras da Dra Dulce Rocha, que subscrevo inteiramente)