Carta enviada de Bruges, pelo Infante D. Pedro, Duque de Coimbra, a seu irmão D. Duarte, em 1426
«O governo do
Estado deve basear-se nas quatro virtudes cardeais e, sob esse ponto de vista,
a situação de Portugal não é satisfatória. A força reside em parte na população;
é pois preciso evitar o despovoamento, diminuindo os tributos que pesam sobre o
povo. Impõem-se medidas que travem a diminuição do número de cavalos e de
armas. É preciso assegurar um salário fixo e decente aos coudéis, a fim de se
evitarem os abusos que eles cometem para assegurar a sua subsistência. É necessário
igualmente diminuir o número de dias de trabalho gratuito que o povo tem de
assegurar, e agir de tal forma que o reino se abasteça suficientemente de víveres
e de armas; uma viagem de inspecção, atenta a estes aspectos, deveria na realidade
fazer-se de dois em dois anos. A justiça só parece reinar em Portugal no coração
do Rei [D. João I] e de D. Duarte; e dá ideia que de lá não sai, porque se assim
não fosse aqueles que têm por encargo administrá-la comportar-se-iam mais honestamente.
A justiça deve dar a cada qual aquilo que lhe é devido, e dar-lho sem delonga.
É principalmente deste último ponto de vista que as coisas deixam a desejar: o
grande mal está na lentidão da justiça. Quanto à temperança, devemos confiar
sobretudo na acção do clero, mas ele [o Infante D. Pedro] tem a impressão de
que a situação em Portugal é melhor do que a dos países estrangeiros que visitou.
Enfim, um dos erros que lesam a prudência é o número exagerado das pessoas que
fazem parte da casa do Rei e da dos príncipes. De onde decorrem as despesas
exageradas que recaem sobre o povo, sob a forma de impostos e de requisições de
animais. Acresce que toda a gente ambiciona viver na Corte, sem outra forma de
ofício.»
( resumo feito por Robert Ricard e constante do seu estudo «L’Infant D. Pedro de Portugal et “O Livro da Virtuosa Bemfeitoria”», in Bulletin des Études Portugaises, do Institut Français au Portugal, Nova série, tomo XVII, 1953, pp. 10-11).