Sócrates |
Sócrates vs. Sócrates
Há 2500 anos,
na Grécia antiga, viveu em Atenas um filósofo de nome Sócrates que foi
imortalizado por alguns dos seus discípulos, de entre os quais se destacou
Platão, que nos livros que escreveu deu a conhecer o pensamento do grande
filósofo. A frase lapidar de Sócrates, "só sei que nada sei",
simboliza a sua incessante procura da Verdade e revela a humildade de quem
reconhece a dificuldade - ou a impossibilidade! - em atingir o verdadeiro
conhecimento, o espistemé. Por amor à Verdade e à Justiça, Sócrates
aceitou o veredito de quem o acusava de não obedecer aos deuses e de, com as
suas ideias, perverter os jovens. Bebeu voluntariamente, até à última gota, a
cicuta letal para cumprir a sentença à pena capital a que fora condenado pelos
juízes de Atenas.
Na atualidade portuguesa, suspeito de enriquecimento ilícito, um outro Sócrates enche os noticiários das televisões e as páginas dos jornais. A suspeição, que recai sobre este ex-governante, liberta incontidas emoções nos espíritos, causa polémica nos debates e incendeia paixões. A opinião sobre a sua pessoa e os factos que levaram à sua detenção - raramente vista com indiferença -, é o assunto mais fraturante da sociedade portuguesa nos dias que correm.
Estas duas personagens parecem ter em comum apenas o nome. O ateniense valoriza a verdade, está desapegado do poder e das riquezas materiais. Ele sabe que só o verdadeiro conhecimento lhe traz a sabedoria. O lusitano mostra acreditar que só tem certezas: "sabe que tudo sabe". Neste aspeto, estará próximo dos sofistas gregos que usavam a retórica para convencer o povo e para quem a doxa importava mais do que o epistemê. O português faz lembrar os príncipes da renascença ciosos dos seus séquitos e amantes da envolvência perfumada do poder. E traz-nos à memória O Príncipe de Nicolau Maquiavel, a cartilha para conquistar e preservar o poder e que, neste domínio, defende o princípio de que os fins justificam os meios.
Na Europa Medieval e nos anos que precederam a Revolução Francesa e a independência da América, o poder era considerado como tendo origem divina. O soberano administrava a justiça e só prestava contas a Deus ou à igreja que o representava. De tal modo, que na Inglaterra de Henrique VIII a igreja incómoda foi subjugada ao poder do soberano. Mas, em última análise e na ausência de uma moderação acima dos homens, só a força das armas ou os jogos de poder asseguravam a sua manutenção.
Nos modernos estados ocidentais laicos a religião - mais propriamente a igreja - já tem pouca influência. O poder democrático emana do povo e são as leis produzidas pelos seus representantes que o regulam e limitam. Mas a democracia tem-se revelado imperfeita: após a revolução industrial a economia e a sua exigência em fortalecer o poder industrial e financeiro sobrepuseram-se e condicionaram o poder político. No nosso tempo a globalização - afinal a economia! -, impondo a submissão dos governos aos mercados, é um outro forte condicionante do poder. Não esquecendo o poder dos media que, quando manipulados fazem opinião, constroem e destroem a imagem dos políticos e, deste modo, interferem com o sentido do voto.
No plano das leis e dos princípios - se quisermos até no plano moral, pois legal e moral tendem a confundir-se-, o poder da Justiça acaba por ser a única limitação ao poder político e económico. Por isso, nos estados democráticos o poder judicial independente adquire uma nova força. O caso do impeachment do presidente Nixon ocorrido nos EUA, depois de um complexo e prolongado processo judicial, ficará para a história como um caso exemplar. No Portugal recente temos tido exemplos desta situação, veja-se, por exemplo, a atuação do Tribunal Constitucional. E não existe alternativa nem proposta para outro poder moderador que não seja o judicial.
Sócrates está, assim, nas antípodas de Sócrates. Nas encruzilhadas da vida que, a cada momento, surgem na nossa frente uma escolha exclui a outra. E não se trata apenas de escolher entre pessoas, mas entre arquétipos subjacentes a valores éticos. A opção, que fizermos, irá condicionar o nosso futuro.
Na atualidade portuguesa, suspeito de enriquecimento ilícito, um outro Sócrates enche os noticiários das televisões e as páginas dos jornais. A suspeição, que recai sobre este ex-governante, liberta incontidas emoções nos espíritos, causa polémica nos debates e incendeia paixões. A opinião sobre a sua pessoa e os factos que levaram à sua detenção - raramente vista com indiferença -, é o assunto mais fraturante da sociedade portuguesa nos dias que correm.
Estas duas personagens parecem ter em comum apenas o nome. O ateniense valoriza a verdade, está desapegado do poder e das riquezas materiais. Ele sabe que só o verdadeiro conhecimento lhe traz a sabedoria. O lusitano mostra acreditar que só tem certezas: "sabe que tudo sabe". Neste aspeto, estará próximo dos sofistas gregos que usavam a retórica para convencer o povo e para quem a doxa importava mais do que o epistemê. O português faz lembrar os príncipes da renascença ciosos dos seus séquitos e amantes da envolvência perfumada do poder. E traz-nos à memória O Príncipe de Nicolau Maquiavel, a cartilha para conquistar e preservar o poder e que, neste domínio, defende o princípio de que os fins justificam os meios.
Na Europa Medieval e nos anos que precederam a Revolução Francesa e a independência da América, o poder era considerado como tendo origem divina. O soberano administrava a justiça e só prestava contas a Deus ou à igreja que o representava. De tal modo, que na Inglaterra de Henrique VIII a igreja incómoda foi subjugada ao poder do soberano. Mas, em última análise e na ausência de uma moderação acima dos homens, só a força das armas ou os jogos de poder asseguravam a sua manutenção.
Nos modernos estados ocidentais laicos a religião - mais propriamente a igreja - já tem pouca influência. O poder democrático emana do povo e são as leis produzidas pelos seus representantes que o regulam e limitam. Mas a democracia tem-se revelado imperfeita: após a revolução industrial a economia e a sua exigência em fortalecer o poder industrial e financeiro sobrepuseram-se e condicionaram o poder político. No nosso tempo a globalização - afinal a economia! -, impondo a submissão dos governos aos mercados, é um outro forte condicionante do poder. Não esquecendo o poder dos media que, quando manipulados fazem opinião, constroem e destroem a imagem dos políticos e, deste modo, interferem com o sentido do voto.
No plano das leis e dos princípios - se quisermos até no plano moral, pois legal e moral tendem a confundir-se-, o poder da Justiça acaba por ser a única limitação ao poder político e económico. Por isso, nos estados democráticos o poder judicial independente adquire uma nova força. O caso do impeachment do presidente Nixon ocorrido nos EUA, depois de um complexo e prolongado processo judicial, ficará para a história como um caso exemplar. No Portugal recente temos tido exemplos desta situação, veja-se, por exemplo, a atuação do Tribunal Constitucional. E não existe alternativa nem proposta para outro poder moderador que não seja o judicial.
Sócrates está, assim, nas antípodas de Sócrates. Nas encruzilhadas da vida que, a cada momento, surgem na nossa frente uma escolha exclui a outra. E não se trata apenas de escolher entre pessoas, mas entre arquétipos subjacentes a valores éticos. A opção, que fizermos, irá condicionar o nosso futuro.
Luís Queirós
in http://poscarbono.blogspot.pt/2014/11/socrates-vs-socrates.html