A adesão à CEE por parte da Grécia
(1981) e de Portugal e Espanha (1986) foi essencial para que a transição para a
democracia nestes países evoluisse, de forma estável e de braços dados com o
crescimento económico, para um período de consolidação e maturação do sistema
democrático. Democracia, prosperidade e Europa são, na memória da maioria dos
cidadãos da Europa do Sul, os vértices de um mesmo triângulo.
Hoje, estamos perigosamente a
percorrer o caminho inverso. A receita punitiva do programas de ajustamento
está a destruir a economia grega - algum país, algum povo consegue aguentar a
queda do PIB de 25% em 5 anos sem invadir as ruas? nenhum político alemão ou de
qualquer outra nacionalidade faz a mais pequena ideia do que está a dizer
quando afirma que é preciso fazer "sacrifícios", ou de que não há a
austeridade sem "sofrimento"; nenhum teria a coragem para impor
metade dos sacrificios concentrados em 2 ou 3 anos sobre a sua própria
população -, e deixará semelhante rasto da destruição na economia portuguesa e
espanhola, destinadas a definhar abraçadas nos próximos anos. A dias ou semanas
de um "resgate" como o grego ou o português, a Espanha - o tal país
que, segundo o PSD, tinha feito tudo bem há um par de anos (corte de salários
na função pública, liberalização dos despedimentos, aumento da idade da
reforma, proibição do défice estrutural na Constituição, etc.) e, dessa forma,
escapado a um resgate, lembram-se? percebem hoje o ridículo? - ainda não
engoliu o comprimido por inteiro e já vive literalmente ameaçada pela
desagregação, enquanto as ruas de Madrid já estão a ferro-e-fogo e Rajoy ainda
nem chegou à fase do PEC IV - quanto mais ao que se seguirá. Entretanto,
preparam-se para o desemprego espanhol chegar aos 30%. Será uma experiência
económica e social memorável.
Deixemos por momentos de parte a
dinâmica de destruição do tecido económico nesses países (já sabemos, da
destruição e das reformas estruturais renascerá a Fénix; cá estaremos para
avaliar pessoalmente o resultado da voragem do ajustamento, quando os técnicos
de FMI, sem nunca terem prestado contas a ninguém, estiverem noutras paragens a
monitorizar outro programa de ajustamento). Será que alguém em Berlim ou
Bruxelas já parou para pensar no que estão a fazer à credibilidade das
instituições democráticas e aos governos dos países da Europa do Sul? Talvez
não percebam que a partir do momento em que anulam o espaço de alternativa
política e programática mínima e impõem a qualquer governo uma agenda de
empobrecimento forçado, os cidadãos passam a chamar sistematicamente “gatunos”
aos governantes – a todos: os presentes, os passados e os futuros - e perdem o
respeito pelo espaço de mediação que é a representação democrática.
Talvez Bruxelas e Berlim considerem
que tudo isto é merecido, que faz parte do processo, e que vale a pena o risco.
Ou talvez se estejam nas tintas, desde que as dívidas sejam pagas. Não sei bem
qual destas hipóteses é a mais correcta.
Ao fim deste tempo todo, uma coisa é
clara: o que se está a passar na Europa do Sul não pode continuar a evoluir
nesta direcção (nem a esta velocidade). É preciso que Bruxelas e Berlim acordem
para o que se desenha no horizonte: não é só o crescimento que é incompatível
com a austeridade (os defensores da austeridade expansionista andam um pouco
escondidos); e já não é apenas a austeridade que é incompatível consigo
própria, dado que não permite cumprir as metas fixadas (os ajustamentos
orçamentais têm falhado ano após ano na Grécia, em Portugal, em Espanha);
fundamentalmente, esta austeridade é incompatível com a manutenção da uma
democracia estável.
Como muitos temiam, a vitória de
François Hollande nas eleições francesas não produziu nenhuma mudança de fundo
na política europeia. E se a vitória do PSF não faz diferença para um
reequilíbrio dos poderes e interesses europeus, que vitória de um partido de
esquerda fará em qualquer outro país? E se Merkel, hoje nos picos da
popularidade, for reeleita daqui a um ano, que espaço existe efectivamente para
mudar a política europeia (ainda por cima se meter o SPD no bolso, numa grande
coligação ao centro)? E alguém acredita que Berlim ou Bruxelas se deixarão
convencer pela “evidência empírica” que os programas não estão a resultar? Os
fanáticos e os cínicos - tantos as
pessoas como as instituições - têm uma imaginação fértil, e não será difícil
encontrar virtudes em economias terraplanadas.
Infelizmente, é provável a Comissão
Europeia e a Europa do Norte só conheçam uma linguagem: a do medo. É assim que
têm lidado com a Europa do Sul. Nunca se sabe se não será necessário à Europa
do Sul aprender a usá-la.
por Hugo
Mendes, em 26.09.12, blogue JUGULAR