terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O almoço do trolha

"O almoço do trolha", de Júlio Pomar.

 
Para mim, dos trabalhos mais belos de Júlio Pomar. Dos trabalhos mais belos da Pintura Portuguesa.

Pela temática, pela forma como nos apresenta as personagens, pelo realismo do traço e da cor que nos conduz ao mundo da humildade feita pobreza, da sobrevivência e da miséria, das privações dos mais pobres e, claro, inevitavelmente, à revolta, por sabermos quanto ainda tantos esbanjam para que a estes tudo ou quase tudo falte.

De facto, até nos aspetos cromáticos Pomar traz o realismo de um país ainda hoje cinzento, sujo, esquecido, marcadamente desigual e injusto, entregue nestes últimos anos a falsos profetas de fartas promessas, que desta gente se tem servido para deles o voto colher mas nunca o cumprir.

Nunca tão poucos deram cabo da vida de tantos. Nunca tão poucos nos fizeram descer tão baixo: pais sem emprego, pais sem dinheiro, filhos sem comida, país na falência e falência da democracia.

Ainda hoje recordo aquele dia em que, por mero acaso, no zapping habitual, vejo num telejornal um homem jovem, na bancada superior destinada ao público da Assembleia da República, gritar bem alto "A democracia é uma ilusão!" e, logo de seguida, ser levado à força pela polícia presente.

Naquele momento, estremeci, e senti quão dolorosa seria a vida daquele homem, desempregado, numa situação de claro desespero, com filhos para cuidar e dívidas que certamente se amontoavam ao ritmo da sua dor e da injustiça galopante que sempre à pobreza mais pobres traz e trará.

Quanta gente na miséria!

Quanta miséria e quantas privações e humilhações cada vez mais gente passa para que naquele hemiciclo, impunes, grande parte daqueles deputados, aos quais pagamos e bem, façam o que nunca na vida deles se esperaria: voltarem-se contra quem os elegeu.

É o caso das votações contra de certos deputados ou das "benditas abstenções" e, até, da disciplina partidária, perante propostas que têm aparecido na AR pedindo, entre outras, a prisão para certos políticos e políticas danosas que ao Estado trouxeram, o controle apertado das contas públicas, o fim das mordomias obscenas distribuídas pelas elites político-financeiras, a necessidade de transparência na gestão das Parcerias Público Privadas  e outras afins, a alteração dos ordenados milionários de certos assessores e gestores da nossa praça (e não só!), o urgente combate à fraude e evasão fiscal que passa pela taxação justa e adequada das grandes fortunas e do grande capital, a necessidade de uma reforma da Justiça, tornando-a verdadeiramente célere, atuante e ao lado da democracia, um plano de austeridade mais humanizado para quem já a custo sobrevive, o fim dos cortes brutais na Educação e Saúde, a reestruturação e renegociação de uma dívida que criminosamente alguém deixou que crescesse e trucidasse os mais pobres, enfim, propostas que tantas vezes o legislador, quer do lado da maioria parlamentar quer da oposição, vai rejeitando, arrastando desse modo, cada vez mais fundo, o país para a pobreza e para a falta de valores cívicos e morais que tornam este país num dos mais cinzentos da Europa e do mundo democrático.

Mas ainda há deputados sérios e dedicados ao seu país e aos eleitores, embora, infelizmente, os muitos que nada fazem envergonhem os poucos que alguma coisa tentam fazer.
 
Nazaré Oliveira