terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O ovo da serpente

    

Foi fantástica a intervenção de António Esteves Martins, um dos melhores jornalistas que a RTP tem, quando ontem, em direto, entrou no programa Prós e Contras.
    
E a sua intervenção, lúcida, inteligente e de uma enorme sensibilidade, levou-me mais uma vez a uma reflexão sobre o momento terrível que vivemos, quer económico quer, sobretudo, social, lançando um olhar à História e, particularmente, à História recente de uma Europa que foi o palco principal das duas guerras mundiais.
   
Uma Europa dos mais fracos que se revê na Grécia, na Grécia do desespero, que afinal nosso desespero também é. Mas, o que mais dói e mais revolta é a prepotência e a arrogância de governos e de países, caso da Alemanha, para quem a dignidade deste povo, a sua História e a herança cultural da qual todos somos herdeiros não tem contado nem nunca, pelos vistos, vai contar.
   
Que decepção e que vergonha que é sentir que, afinal, a solidariedade tão apregoada, o mercado comum, a “união europeia”… nunca existiram e estão longe de um dia existir, porque, se é verdade que os verdadeiros amigos se vêem sobretudo nas más ocasiões, também está a ser verdade que “a Europa dos grandes” cada vez se aproxima mais daquilo que, ainda no século XIX a levou a um europocentrismo cada vez mais nocivo à paz mundial, agigantando-se depois no princípio do século XX com a pretensa superioridade não só económica como, sobretudo, cultural, que a levou a retalhar o mundo e a dividi-lo entre si, à custa de muito sofrimento, devastação e humilhação, como só o colonialismo europeu soube fazer, tornando-se um inferno para si e para os outros, desencadeando, inclusívé, a primeira guerra mundial.
   
A fome e sede de poder europeias não parara, nem mesmo a disputa que se fazia já entre os “grandes” países europeus, afinal, os que mais equipados estavam para roubar, explorar e humilhar os mais fracos, os mais pobres e os mais vulneráveis.
   
Tudo serviu para que a escalada para o poder se concretizasse e tudo serviu para que a jogada no xadrez político internacional pós-Conferência de Berlim pudesse fazer o que afinal foi feito: assumir uma hegemonia que pela força das armas se foi consolidando, impondo-se como “grandes” quem da paz armada à grande viveu, até ao dia em que, pelas rivalidades económicas, pelos nacionalismos, pela ganância e pelo poder, no ano de 1914, uma guerra mundial fazia eclodir no Velho Continente que ensombrava mas não surpreendia o Mundo.
   
E a Europa sofria. Sofria o Mundo.
   
O mundo “dos pequenos”. Os “pequenos” da Europa.
   
Arrasados pela 1ª Guerra Mundial (1914 a 1918) que os velhos impérios centrais provocaram, nos quais se inclui, claro, o Império Alemão, o Mundo, a Europa, voltam a sentir os horrores da guerra quando, em 1939, desta vez de uma forma ainda mais trágica e hedionda, assistimos ao reforço do pior dos fascismos – o nazismo - animado pelos ideais de um monstro para quem a conquista de espaço vital e a crença na sua superioridade rácica também serviram para a afirmação da Alemanha face aos outros países e aos outros povos, nem que para isso se desprezassem os mais elementares direitos humanos, como o direito à dignidade e à vida, como, aliás, veio a acontecer.
   
Até onde vai a arrogância e prepotência de países como a Alemanha face às dificuldades económicas e financeiras de uma Grécia (e de nós próprios!) e à asfixia social e política que as suas exigências estão a provocar?
   
Este é o preço da hipocrisia.
   
O preço a pagar por uma Europa que, afinal, unida não tem sido, unida não tem querido ser e à mercê de vampiros continua.
   
Essa Europa seguidista, essa Europa servil à Alemanha e à sua líder, ao BCE, ao FMI, que aguardam o momento para desferir o golpe de misericórdia a quem tanto às suas mãos já sofreu, sobretudo desde a 2ª Guerra Mundial, e a quem tanto ainda devem mas vergonhosamente continuam a não pagar e a fingir desconhecer.
   
A Alemanha ainda não pagou a totalidade da sua dívida aos países que destruiu e pilhou durante a 2ª Guerra Mundial! E, no caso da Grécia, ascende a mais de 80 mil milhões de euros o valor da sua dívida ao Banco Central da Grécia, precisamente desde 1940!
   
E que falta de ética e de gratidão ter-se “esquecido” de quem a ajudou no derrube do “muro da vergonha”! De quem a ajudou na reunificação!


 De quem a ajudou a ser o que hoje é!   

 
Quando os ministros das Finanças da zona euro saudaram os significativos esforços já feitos pelos cidadãos gregos como consequência das medidas de austeridade, referindo, no entanto, que são necessários muitos mais para o país retomar o crescimento económico, revolto-me e pergunto:
   
Mais esforços? Até onde vai a resistência de um povo?
   
«O Eurogrupo está plenamente consciente dos significativos esforços já feitos pelos cidadãos gregos mas salienta também que são necessários mais esforços por parte da sociedade grega para fazer regressar a economia ao crescimento», declararam os ministros em nota divulgada em Bruxelas no final de uma longa reunião de mais de 13 horas.
   
Que cinismo! É esta a União Europeia que queremos?
   
O “ovo da serpente”em gestação?
   
Nazaré Oliveira