Eugénio de Andrade, num dos seus magníficos poemas, diz:
“ Passamos pelas coisas sem as ver,
Há uma estranha moral governativa a ensombrar as instituições e a manipulá-las. Uma estranha liderança que nos sufoca e uma impunidade que nos revolta. Estamos reféns de um poder completamente subvertido.
No caso dos professores, os trabalhadores da função pública que mais desconsideração têm sofrido por parte dos governos do nosso país, tratados de forma escandalosamente desigual se comparados com outros agentes do estado constantemente ajudados e protegidos em matéria salarial, em condições perfeitamente adversas, desumanas e imprevisíveis, sobretudo quando colocados muito longe das suas áreas de residência onde penosamente (muitos deles há anos!) aguardavam uma pequena colocação, sem família, sós, muito sós ou longe dos seus filhos ainda menores que têm de abandonar face a uma colocação que, quando surge, os faz correr desesperadamente e tudo deixar, em nome de um tempo de serviço que penosamente vão fazendo ao ritmo sofrido de uma depressão que entretanto se instala e os devora, lentamente, até ao dia em que os vencerá para sempre.
Sem ajudas de ninguém, sem o mísero salário que só tardará, para a maioria, quase ao fim de dois meses por causa das exigências burocráticas e administrativas a que estão sujeitos e cujas custas também pagarão, estes professores-errantes e precários (os antigos “provisórios”), mal sabem de uma colocaçãozinha na Internet, partem a correr à procura da dignidade que tarda e de um gesto de humanidade que jamais lhes deveria ser negado. Nem a eles nem a ninguém.
Nessas escolas onde muito tardiamente encontram uma vaga, em terras de ninguém, fingem um contentamento que entretanto se foi desvanecendo por força de uma espera que em dor se transformou, com dívidas para pagar e um mundo de privações que, entretanto, (já) dificilmente conseguem esconder, até mesmo quando o salário que chega, tarde e pouco, deixa escapar um breve sorriso que já mal esconde a fome há muito instalada e a custo enganada.
A fome, o desalento, a frustração, e tudo em nome de uma profissão e de um trabalho que vocacionalmente abraçaram, certos de um país que a (os) acolheria e atenderia com a mesma seriedade e espírito de entrega com que a escolheram, certos de um trabalho que é fundamental para o verdadeiro desenvolvimento de um povo, um trabalho que tem muito de espírito de missão mas que deve ser retribuído com respeito e com justiça.
Por que razão, por exemplo, os senhores deputados, os senhores magistrados, os senhores gestores, os senhores inspectores, os senhores directores, entre outros profissionais da função pública, têm ajudas de custo (autênticas mordomias!) e os professores nada?
Mais grave: por que razão se continuam a atribuir subsídios escandalosos a certos funcionários públicos, que desde sempre auferiram grandes salários, ajudas para o arrendamento de casas ou até casas próprias, ajudas para combustível e até mesmo carros e motoristas próprios, mesmo quando se reformam, enquanto que outros, neste caso, os professores sobre os quais escrevo, mal ganham para comer, passam frio e fome nas terras onde têm de alugar ou uma casita humilde que nem sempre conseguem repartir com outros ou em quartos profundamente desumanizados e miseráveis onde a solidão e o desespero infernizam a vida de tantos jovens docentes, claramente abandonados por um país e governos que sarcasticamente os promovem em discursos eleitoralistas mas que, na prática, os enterram cada vez mais e cada vez em maior número, vivos, em nome de uma recuperação económica e do combate a um défice para o qual nunca contribuíram, agredindo-os violentamente com pedidos de sacrifício e com um discurso demagógico que vergonhosa e despudoradamente continua a ouvir-se nas rádios, televisões e jornais, como se estes professores, estes desgraçados descartáveis e precários da função pública fossem os culpados da monstruosidade económica que nos invadiu mais uma vez e das políticas e políticos criminosos que se aproveitaram do seu voto para fazerem carreira, aqui ou na União Europeia, tanto em lugares da Administração e Gestão de Empresas do Estado como na Banca, Seguros e outros, através do tráfico de influências e da corrupção cujos tentáculos já abarcam todos os sectores da vida nacional e a tornam cada vez mais difícil para quem da vida só conheceu o duro trabalho, privações e injustiça social.
Nunca é demais recordar as decisões da Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, que aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa e que tanta gente, tantos políticos e tantos governantes querem esquecer:
Artigo 58.º (do TÍTULO III, Direitos e deveres económicos, sociais e culturais - CAPÍTULO I - Direitos e deveres económicos): - Direito ao trabalho: 1. Todos têm direito ao trabalho; 2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) A execução de políticas de pleno emprego; (…)
Artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores - 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho (…) de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal (…); e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego; f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Uma outra vida é possível, sim, mas com políticos para quem a verdadeira prioridade seja o bem estar do seu povo e a Constituição não seja, nunca, palavra vã.
“ Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos”.
No caso dos professores, os trabalhadores da função pública que mais desconsideração têm sofrido por parte dos governos do nosso país, tratados de forma escandalosamente desigual se comparados com outros agentes do estado constantemente ajudados e protegidos em matéria salarial, em condições perfeitamente adversas, desumanas e imprevisíveis, sobretudo quando colocados muito longe das suas áreas de residência onde penosamente (muitos deles há anos!) aguardavam uma pequena colocação, sem família, sós, muito sós ou longe dos seus filhos ainda menores que têm de abandonar face a uma colocação que, quando surge, os faz correr desesperadamente e tudo deixar, em nome de um tempo de serviço que penosamente vão fazendo ao ritmo sofrido de uma depressão que entretanto se instala e os devora, lentamente, até ao dia em que os vencerá para sempre.
Nessas escolas onde muito tardiamente encontram uma vaga, em terras de ninguém, fingem um contentamento que entretanto se foi desvanecendo por força de uma espera que em dor se transformou, com dívidas para pagar e um mundo de privações que, entretanto, (já) dificilmente conseguem esconder, até mesmo quando o salário que chega, tarde e pouco, deixa escapar um breve sorriso que já mal esconde a fome há muito instalada e a custo enganada.
Por que razão, por exemplo, os senhores deputados, os senhores magistrados, os senhores gestores, os senhores inspectores, os senhores directores, entre outros profissionais da função pública, têm ajudas de custo (autênticas mordomias!) e os professores nada?
Nunca é demais recordar as decisões da Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, que aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa e que tanta gente, tantos políticos e tantos governantes querem esquecer:
Artigo 9.º - Tarefas fundamentais do Estado - São tarefas fundamentais do Estado: (…) d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; Artigo 13.º - Princípio da igualdade - 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; Artigo 18.º - Força jurídica - 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
Artigo 25.º - Direito à integridade pessoal - 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável; Artigo 58.º (do TÍTULO III, Direitos e deveres económicos, sociais e culturais - CAPÍTULO I - Direitos e deveres económicos): - Direito ao trabalho: 1. Todos têm direito ao trabalho; 2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) A execução de políticas de pleno emprego; (…)
Artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores - 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho (…) de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal (…); e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego; f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Uma outra vida é possível, sim, mas com políticos para quem a verdadeira prioridade seja o bem estar do seu povo e a Constituição não seja, nunca, palavra vã.