segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O discurso de Passos Coelho




O discurso da praxe. Mais do que ensaiado para convencer quem convencido nunca ficou ou ficará com este malabarismo verbal a que já nos habituámos nos PM em cenários de crise. O discurso da treta dito por mais um primeiro-ministro que mentiu aos portugueses. Um PM sem coragem política para fazer o que prometera, que defraudou as expectativas dos que o ajudaram a chegar onde está e que desonrou o compromisso assumido aquando da sua tomada de posse.


Demagógico e com uma arrogância política que já vem fazendo escola por S. Bento, apresenta-se-nos completamente rendido aos centros financeiros mundiais, perfeitamente ciente de que o problema se resolve roubando aos que quase nada de seu têm, servindo compulsivamente planos perversos de uma política externa claramente e exclusivamente vendida aos interesses do capital e rendida aos encantos de Bruxelas e do FMI.

Retrocedemos em matéria de direitos constitucionalmente adquiridos e assistimos à delapidação gradual da democracia e da justiça social.

Governa-se para as elites, “para inglês ver”, não se governa para quem poder lhes delegou e assim lho confiou.

Fazem da governação um clube privado, como se a política ao povo não diga respeito.

Fazem pouco do povo. Indignam o povo.

Tomam medidas que na prática roubos são e servem-se dos míseros salários de quem trabalha para tentar “salvar a economia”, como se não houvesse grandes fortunas onde mexer, legislação para aplicar e cortes a fazer em bens sumptuários constantemente adquiridos pelo estado para proveito das elites políticas, bem como, o desperdício financeiro que escandalosamente comete e não pára de aumentar.

Passos Coelho já sabia da situação que o esperava e de nada lhe vale andar sempre com o nome de José Sócrates na boca para justificar os roubos que continua a fazer a quem trabalha e os atropelos constitucionais que tem cometido com o auxílio de certas bancadas da AR e do próprio PR, como também já vem sendo hábito.

Se votaram nele não foi para que continuasse as políticas antidemocráticas que já vinham sendo seguidas e cujos alvos principais foram justamente a função pública e a classe média em geral, sem falar dos desempregados e da maioria dos reformados.

Um dos seus ministros – o da Solidariedade e Segurança Social – teve a ousadia de dizer há dias que as medidas de austeridade acautelaram sectores estratégicos da economia nacional.

Acautelaram o quê, senhor ministro? A Educação? A Saúde? A Produção Nacional?

Acautelaram, sim, o contínuo enriquecimento das personagens habituais, as reformas chorudas de gente da política, alguns com passagem meteórica pela AR, ministérios ou secretarias de estado, PR, bancos e outras empresas públicas, fundações que ninguém sabe onde estão e o que fazem, subsídios a clubes de futebol onde impera a maior corrupção e tráfico de influências e onde os salários que se pagam são escandalosamente escondidos ao fisco que só não vê porque não quer…

Haja vergonha! Haverá?

O povo sairá à rua para exigir o que lhes prometeram e que agora lhes negam. Em nome da Banca, em nome do capital estrangeiro e em nome da dependência e servilismo que continuamos a preferir em vez do investimento interno e da aposta nacional nos sectores-chave, caso da Agricultura e da Educação.

Neste, tem-se cortado a torto e a direito com uma indiferença e desprezo completo pelo analfabetismo científico e cultural do país, perante o qual fazem vista grossa.

"Só seremos competitivos se acrescentarmos valor económico àquilo que produzimos", afirmou recentemente o Dr. Artur Santos Silva que, tal como o Professor Carlos Fiolhais, consideram "prioridade das prioridades" a melhoria da qualidade do ensino, a começar pelo ensino básico.

No entanto, que têm feito estes governos?

Têm posto de lado gente qualificada e recursos humanos de âmbito diverso com os quais se desenvolveria o país se houvesse vontade política e verdadeiro espírito de inovação e empreendedorismo, decisivo para a saída da crise económica e social e da dependência do exterior.

Um PM em condições olha para o seu país e incentiva-o a produzir mais, a trabalhar mais, com uma dinâmica que passa pela concertação social e harmonização de interesses. Não faz o que tem feito e pretende continuar a fazer, tornando mais miserável um povo sacrificado e já faminto, a quem roubam dinheiro, direitos e dignidade.

Um PM em condições e um governo em condições jamais iria mexer nos míseros 1.000 euros sabendo a pouca vergonha que por aí anda, camuflada ou não, de grandes fortunas, fraudulentas ou não.

Pouco falta para o regresso de uma nova ditadura, desta vez muito mais cínica e perversa, com gente que se aproveitou do voto popular e da vulnerabilidade dos cidadãos cada vez mais pobres e mais roubados, para ascender nacional e internacionalmente, agir despoticamente e daí tirar proveitos político-partidários.

Muito mal se tem feito a quem honestamente vive do seu mísero salário, seja de 1.000 euros, 1.500 euros, 300 euros, 500 euros… como este corte que mais roubo é, de ir buscar parte do subsídio de Natal a quem dele sempre precisou para viver.

Hoje, tudo serve para cortar pequenas regalias de pleno direito conquistadas desde Abril de 1974. Como se mais nada houvesse para corrigir défices escandalosos de governos e governos de “sacanas sem lei” que tudo fizeram para se governar mas que não governaram efectivamente. Pelo contrário.

Vivemos demasiado tempo um “centralismo democrático” que pôs em perigo, durante muito tempo, a democracia e a capacidade de reivindicação do povo, num estranho torpor e estranho aceitacionismo, tal a tentativa de o minar na sua intervenção cívica.

Mas o povo reergue-se e reerguer-se-á sempre para enfrentar os ditadores e os que lhe tolhem os gestos e lhes amordaçam as bocas.

E contra os manipuladores da lei e usurpadores dos direitos se levantarão as gentes em busca do que é seu.

Continuam as desigualdades sociais, injustiças sociais, compadrios, clientelismo e discursos populistas.

Que faz esta “nova gente”? O mesmo ou pior do mesmo, até na oposição que se faz no hemiciclo ou na imprensa habitual, reduzidos que estão a uma mera e pobre retórica de ocasião, repetida e estéril em ideias e projectos.

Não é pelo que dizemos que o somos mas sim pela forma como o fazemos. Albert Schweitzer, a propósito, dizia que dar o exemplo não era a melhor maneira de influenciar os outros – era a única!

Pelos vistos, continuamos a ter maus exemplos, maus políticos e, claro, más políticas.

Tem singrado quem é corrupto, continuam as impunidades e os favorecimentos para os do costume, a insensatez e injustiça nas medidas político-económicas, agora, escudadas nas exigências da troika ou UE, o desemprego, a precariedade e a miséria dos que sempre trabalharam para sobreviver (e mal) aumenta tragicamente e a falta de condições e de investimento colocam-nos perigosamente ao lado do abismo. Abismo social.

As negociações não tiveram nem têm em conta o sacrifício constante dos explorados de sempre e a austeridade não está a ser para todos.

Como é que se pode falar de justiça social com pessoas a viver no limiar da pobreza, com 300 e tal euros por mês, famintas, doentes, enquanto outros arrotam a dinheiro e o desperdiçam em futilidades que uma certa imprensa faz o favor de nos recordar?

O Sr. PM engana-se quando diz que “Todos os Portugueses estão a sentir nas suas vidas os efeitos de um terrível estrangulamento financeiro da nossa economia”.

O Sr. viabilizou o orçamento para 2011 mas rápido se esqueceu das reais motivações por que o fez, isto é, fez questão que nele estivessem contidas reduções significativas da despesa pública e partiu desse pressuposto para resolver os problemas mas, já viu que não chegou e, sobretudo, que ao cometer os mesmo erros de Sócrates penhorado continuará a ter o país.

A meio do ano esperava que metade desse orçamento tivesse sido devidamente executado, mas, segundo o INE, nada disso aconteceu. No entanto, isso não pode constituir justificação para a penalização brutal e cruel a que condenou a maioria da classe trabalhadora deste país, designadamente, os funcionários públicos que ganham os tais míseros 1000 euros.

“É preciso que os Portugueses compreendam todos os contornos da situação actual” – só pede, Sr. PM, só corta e só ameaça. Afinal, o que é que dá, a quem dá e quanto dá, Sr. PM?

Acho graça quando diz que no passado nos habituámos a tolerar as derrapagens orçamentais e que isso se tornou num hábito político que é urgente reparar! E que este ano todos tinham a obrigação de já ter aprendido a lição. Que é isto, Sr. PM? Ironia de mau gosto? “Todos deviam?” Por que é que não se tem a coragem, a dignidade, se faz justiça indo aos bolsos de quem o tem, acabando com mordomias milionárias como as que vemos na política, em certas empresas estatais, privadas, semi-privadas, administradores das mesmas, gestores das mesmas, reformados da política que acumulam, ainda, funções e salários milionários, carros, gabinetes, secretárias, motoristas… certos clubes de futebol, certos jogadores de futebol, certos dirigentes e certas SADs que se arrogam de intocáveis em matéria de fiscalidade sob a bênção dos governos e secretarias de estado?

Negociar sem agravar socialmente é possível, sim, mas é preciso querer fazê-lo com transparência e rigor. Com ética.

Fernando Savater, um homem que muitos deveriam ler, disse um dia: “ O nosso primeiro interesse enquanto homens está em sermos realmente humanos. A crença perigosíssima de que tudo o que se faz em favor do partido é bom e tudo o que prejudica o partido é mau deve ser combatida”.

O endividamento do Sector Público empresarial é obsceno e o senhor bem sabe porquê. O Sr e o Srs que o antecederam, incluindo o Sr. Presidente da República que nesta matéria inocente não é.

É revoltante voltar a ouvir-se que em termos orçamentais - para 2012 - haverá cortes muito substanciais nos sectores da Saúde e da Educação e que foram até onde puderam ir! Que hipocrisia, Sr. PM e que falta de visão política e social. Dois sectores imprescindíveis mais uma vez sacrificados. Corte, isso sim, nos gastos supérfulos dos gabinetes de ministros, secretários de estado, deputados… proponha medidas que levem a uma moralização da vida política! Proponha e defenda a todo o custo que o exemplo venha de cima e que a Justiça tenha mão pesada nos casos de enriquecimento ilícito, evasão fiscal e fuga de capitais, entre outros.

Que impede um governo de o fazer?

Temos forma de amortizar o défice e compor as finanças internas? Precisamos de dinheiro? Sim, temos, mas não se busque onde nunca farto foi, pelo contrário.

Quando recordo as palavras de Warren Buffett no seu artigo Stop coddling the super-rich (Deixem de mimar os super-ricos), no New York Times de 14 de Agosto, no qual se questiona sobre a razão que justifica que os ricos paguem menos impostos que os pobres, fico revoltada, precisamente porque, tal como eu, também ele responde “Absolutamente nada!”.

E a revolta é sobretudo por saber que os ricos, nos EUA como aqui, sabem que os governos os têm apoiado nestas benesses fiscais que continuam a manter-lhes, estejamos em crise ou não. E isto é nojento: pedem-se sacrifícios aos pobretanas do costume enquanto descaradamente se protege e poupa quem muito ajudar podia sem que daí mal não lhes viesse.

Aquele multimilionário conta, inclusive, que pagara em 2010 apenas 17,4% de impostos sobre os seus rendimentos enquanto os seus empregados pagaram 33 a 41%!!!

O que é isto, meus senhores?

Democracia não é.



Nazaré Oliveira