quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Os simpatizantes de Hitler jamais adormeceram!

Noruegueses acendem vela para a ilha de Utoya (ao fundo) no amanhecer de 23 de julho, um dia após o ataque em Oslo

Focada em descobrir o que se passa na cabeça de imigrantes morenos, barbudos e que não se separam do Alcorão, a Europa deixou passar despercebida a ameaça que representam os loiros de olhos azuis nascidos sobre o seu solo. O massacre de 77 pessoas na Noruega, cometido por um norueguês "puro" - como os nacionalistas europeus gostam de chamar os filhos de pais arianos -, acordou o Velho Continente para o terrorismo de extrema-direita.

Não que as polícias nacionais ignorassem a atividade dos militantes neonazistas - pelo contrário, sabem que os xenófobos simpatizantes de Hitler jamais adormeceram. Mas no último relatório do Serviço Europeu de Polícia (Europol) sobre o terrorismo, a atividade de extremistas de direita ocupava apenas duas páginas. No entendimento dos especialistas europeus, no século XXI esta vertente política deseja se infiltrar na sociedade através de conquistas nas urnas, um passo atrás do outro, e não pela força, embora a polícia tenha interrompido a organização de grupos neonazistas na França, Hungria, República Tcheca e Alemanha entre 2008 e 2009.

Os atentados promovidos por Anders Behring Breivik bagunçaram esta lógica. E se o maior perigo não fossem as organizações, mas os radicais isolados, que mesmo sozinhos, são capazes de provocar 10, 20, 77 mortes de inocentes? Para estes, aliás, os partidos de extrema-direita são vistos como moderados demais na luta contra a imigração e a abertura cultural, como foi o caso do extremista norueguês. Depois de ser filiado por sete anos ao ultraconservador Partido do Progresso, ele optou por batalhar sozinho pelas suas ideias.

"Quem precisa de um grupo quando se tem internet? Com um computador, Breivik garimpou aqui e ali todos os elementos necessários para imaginar, planejar e executar os seus atentados. E ainda encontrou respaldo para fortalecer as suas ideologias, que na cabeça dele, legitimam a sua ação", explica Sylvain Crépon, autor de La Nouvelle Extrême Droite (A Nova Extrema Direita, em tradução livre) e pesquisador na Universidade Paris-Nanterre.

No seu manifesto de mais de 1,5 mil páginas, enviado a amigos e agora publicado na internet, Breivik agradece a seus "irmãos e irmãs que o apoiaram no Reino Unido, na França, Bélgica, Alemanha, Suíça, Itália, Espanha, Finlândia, Suécia, Dinamarca, Holanda, etc". A questão que a Europa se pergunta é se ele vai conseguir inspirar à ação outros tantos nacionalistas que, como ele, se sentiriam na obrigação de livrar a Europa da invasão estrangeira.

Na opinião de Crépon, existe um paralelo entre o terrorista norueguês e os radicais islâmicos que ele tanto despreza: a percepção de que está em curso uma guerra de civilizações e, portanto, é preciso evitar a invasão do inimigo - sejam os ocidentais que se intrometem nos países árabes, por um lado lado, ou sejam as famílias muçulmanas que decidem viver na Europa, por outro. "Para pessoas como Breivik, a social-democracia vigente na maior parte a Europa é a grande responsável de uma abertura para todos, algo que ele rejeita com todas as forças. Se os adeptos das ideias dele se engajarem nesta guerra, teremos um verdadeiro problema."

Resposta europeia é crucial para barrar ações extremistas

Neste sentido, as reações da Europa à tragédia na Noruega são determinantes para evitar novos atentados, alertam especialistas. Porém, por enquanto, poucas foram as vozes que ousaram cutucar de frente a avalanche que pode estar por trás das ações do norueguês. A maior parte dos líderes europeus condenou os ataques, mas não abordou o problema do extremismo de direita ou do aumento da tensão entre nacionalistas e muçulmanos.

O imobilismo suscitou reclamações da comissária europeia das Relações Interiores, Cecilia Malmström. "Muito poucos dirigentes se levantaram para defender a diversidade cultural na Europa", declarou. Exceção à regra foi o chefe de governo da Espanha, o socialista José Luis Zapatero: ao lado do premiê britânico, o conservador David Cameron - que não o acompanhou nas críticas -, o espanhol disse que o massacre foi "um dos acontecimentos mais preocupantes já vistos no solo europeu". "Foi algo extremamente grave que precisa de uma resposta, uma resposta europeia, uma resposta comum para defender a liberdade e a democracia", afirmou. "Isso pede que as pessoas se levantem, combatam o radicalismo e reajam face à xenofobia."

O cientista político Jean-Yves Camus, especialista em extrema-direita do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris, destaca que a tragédia trouxe à tona as consequências de uma política adotada por parte dos governantes europeus: a de responsabilizar indiretamente a imigração muçulmana pelas dificuldades enfrentadas no continente - sejam econômicas ou sociais.

"Muitos dirigentes brincam com fogo. Quanto mais anunciam medidas como a restrição de fronteiras e o aumento das expulsões de imigrantes ilegais, mais a extrema-direita se sente estimulada. Até o momento em que ela quer ir além", adverte. "Chega um ponto em que os extremistas de direita deixam as organizações políticas para agir além delas, ao perceberem que os governantes têm um limite nas ações anti-Islã que eles tanto desejam."

LÚCIA MÜZELL (em Paris)