O assassinato de Oslo é um alerta para os que desvalorizam o multiculturalismo ou desconfiam da sua eficácia. Os atentados de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, e depois em 11 de Março de 2005 em Madrid e 7 de Julho do mesmo ano, em Londres, praticados por extremistas islâmicos, espalharam por todo o mundo o medo e a insegurança, exigindo dos estados meios eficazes ao seu combate, mas sem pôr em causa as liberdades e garantias dos direitos individuais dos cidadãos.
No passado dia 22 de Julho, um cidadão norueguês, de 32 anos, Anders Breivik, depois de ter colocado uma bomba em Oslo junto do edifício governamental, matando oito pessoas, dirigiu-se à ilha de Utoya, onde decorria um encontro de cerca de 500 jovens do Partido Trabalhista no poder, disfarçado de polícia, matando a tiro mais 69 jovens, alguns deles quando nadavam no mar para tentar fugir da morte. E ao que consta uma outra bomba tinha já sido preparada para o mesmo efeito.
Estes factos demonstram que a Europa se encontra sujeita a duas ameaças terroristas de sinal contrário: o terrorismo fundamentalista islâmico (jihadista) e o de extrema-direita anti-islâmico (antijihadista).
No primeiro interrogatório policial, o jovem assassino confessou os factos, mas negou a culpa, alegando que a acção que levou a cabo era um mal necessário para impedir o avanço do multiculturalismo e da imigração muçulmana.
Antes de levar a cabo a sua acção, o jovem norueguês colocou na Net um longo manual teórico e explicativo, intitulado Declaração de Independência Europeia, onde augurava uma revolução europeia em 2083. Nos termos dessa declaração "o grande inimigo a que a Europa se encontra subjugada é o Islão", o que teria alienado da sua monogenealogia cultural, isto é, dos autênticos valores cristãos. Como adjuvantes e colaboradores deste inimigo, provisoriamente vitorioso, colocou uma longa lista de nomes, instituições e concepções teórico-ideológicas, tais como a União Europeia, as Nações Unidas e o multiculturalismo, enquanto dimensão de um "marxismo cultural".
Como se vê, a matança na Noruega significou a execução de um plano de um fanático que julgou estar a assumir a tarefa de salvar a Europa dos seus inimigos e reconduzi-la pelos caminhos de uma suposta "Europa independente", prometida para 2083. O mundo ficou estupefacto, interrogando-se como foi possível um acto destes ter sido praticado num país que é um dos mais elevados modelos europeus.
Os governantes noruegueses reagiram com firmeza ao acto tresloucado, prometendo uma luta sem tréguas contra todos os que possam pôr em causa a democracia e os valores do multiculturalismo. Para dar um sinal nesse sentido, o primeiro-ministro assistiu a uma cerimónia religiosa, celebrada numa mesquita, em memória das vítimas.
O acto terrorista do jovem norueguês, mesmo que possa ser isolado, merece profunda reflexão, uma vez que pretende representar uma visão histórica da Europa enquanto "civilização unitária e espaço geopolítico, desenhados por reacção a entidades ou ameaças exteriores".
Se recordarmos a evolução histórica da Europa através dos tempos encontramos em primeiro lugar a "Europa cristã contra o Islão. Depois, a Europa branca, imperial e civilizada oposta ao mundo colonial e "selvagem". No período da Guerra Fria, temos, no plano religioso, uma Europa católica e protestante; no plano económico, uma Europa capitalista; no plano político um Europa liberal e democrática, oposta a uma Eurásia ortodoxa, muçulmana e soviética. E foi nesta evolução que a Europa, além das suas especificidades e antagonismos nacionais, vem ganhando uma consciência de si, enquanto civilização definida pela sua vocação universal" (secção Ideias e Debates do suplemento Actual do semanário Expresso, edição 6.8.11).
O assassino de Oslo revelou-se como um fanático duma falsa identidade europeia homogénea, ignorando que a verdadeira identidade europeia é de natureza heterogénea e pelo encontro com outras alteridades.
Há cerca de dois anos, uma afirmação de Angela Merkel, no sentido de que o multiculturalismo na Alemanha tinha sido um enorme fracasso causou uma grande polémica. E em França, embora nenhum governante tenha feito idêntica confissão derrotista, as medidas tomadas nos últimos anos têm como pressuposto as dificuldades de organização e coexistência numa sociedade multicultural. O assassinato de Oslo é um alerta para os que desvalorizam o multiculturalismo ou desconfiam da sua eficácia. As posições extremas contra o multiculturalismo, como as reveladas pelo assassino de Oslo, pretendem recuperar uma pureza que nunca existiu e apenas como mito pode ser reactivada. É preciso que os políticos europeus se lembrem que o projecto europeu, segundo os seus fundadores, vai no sentido de se alcançar uma sociedade caracterizada pelo pluralismo, pela solidariedade, pela tolerância, pela não discriminação. Neste aspecto, Merkel e Sarkozy têm-se revelado de uma ignorância perturbadora. As capitais europeias da cultura deverão também elas cumprir esta missão de promoção do multiculturalismo e de diálogo intercultural, ajudando a derrotar o terrorismo, seja ele de que natureza for.
No passado dia 22 de Julho, um cidadão norueguês, de 32 anos, Anders Breivik, depois de ter colocado uma bomba em Oslo junto do edifício governamental, matando oito pessoas, dirigiu-se à ilha de Utoya, onde decorria um encontro de cerca de 500 jovens do Partido Trabalhista no poder, disfarçado de polícia, matando a tiro mais 69 jovens, alguns deles quando nadavam no mar para tentar fugir da morte. E ao que consta uma outra bomba tinha já sido preparada para o mesmo efeito.
Estes factos demonstram que a Europa se encontra sujeita a duas ameaças terroristas de sinal contrário: o terrorismo fundamentalista islâmico (jihadista) e o de extrema-direita anti-islâmico (antijihadista).
No primeiro interrogatório policial, o jovem assassino confessou os factos, mas negou a culpa, alegando que a acção que levou a cabo era um mal necessário para impedir o avanço do multiculturalismo e da imigração muçulmana.
Antes de levar a cabo a sua acção, o jovem norueguês colocou na Net um longo manual teórico e explicativo, intitulado Declaração de Independência Europeia, onde augurava uma revolução europeia em 2083. Nos termos dessa declaração "o grande inimigo a que a Europa se encontra subjugada é o Islão", o que teria alienado da sua monogenealogia cultural, isto é, dos autênticos valores cristãos. Como adjuvantes e colaboradores deste inimigo, provisoriamente vitorioso, colocou uma longa lista de nomes, instituições e concepções teórico-ideológicas, tais como a União Europeia, as Nações Unidas e o multiculturalismo, enquanto dimensão de um "marxismo cultural".
Como se vê, a matança na Noruega significou a execução de um plano de um fanático que julgou estar a assumir a tarefa de salvar a Europa dos seus inimigos e reconduzi-la pelos caminhos de uma suposta "Europa independente", prometida para 2083. O mundo ficou estupefacto, interrogando-se como foi possível um acto destes ter sido praticado num país que é um dos mais elevados modelos europeus.
Os governantes noruegueses reagiram com firmeza ao acto tresloucado, prometendo uma luta sem tréguas contra todos os que possam pôr em causa a democracia e os valores do multiculturalismo. Para dar um sinal nesse sentido, o primeiro-ministro assistiu a uma cerimónia religiosa, celebrada numa mesquita, em memória das vítimas.
O acto terrorista do jovem norueguês, mesmo que possa ser isolado, merece profunda reflexão, uma vez que pretende representar uma visão histórica da Europa enquanto "civilização unitária e espaço geopolítico, desenhados por reacção a entidades ou ameaças exteriores".
Se recordarmos a evolução histórica da Europa através dos tempos encontramos em primeiro lugar a "Europa cristã contra o Islão. Depois, a Europa branca, imperial e civilizada oposta ao mundo colonial e "selvagem". No período da Guerra Fria, temos, no plano religioso, uma Europa católica e protestante; no plano económico, uma Europa capitalista; no plano político um Europa liberal e democrática, oposta a uma Eurásia ortodoxa, muçulmana e soviética. E foi nesta evolução que a Europa, além das suas especificidades e antagonismos nacionais, vem ganhando uma consciência de si, enquanto civilização definida pela sua vocação universal" (secção Ideias e Debates do suplemento Actual do semanário Expresso, edição 6.8.11).
O assassino de Oslo revelou-se como um fanático duma falsa identidade europeia homogénea, ignorando que a verdadeira identidade europeia é de natureza heterogénea e pelo encontro com outras alteridades.
Há cerca de dois anos, uma afirmação de Angela Merkel, no sentido de que o multiculturalismo na Alemanha tinha sido um enorme fracasso causou uma grande polémica. E em França, embora nenhum governante tenha feito idêntica confissão derrotista, as medidas tomadas nos últimos anos têm como pressuposto as dificuldades de organização e coexistência numa sociedade multicultural. O assassinato de Oslo é um alerta para os que desvalorizam o multiculturalismo ou desconfiam da sua eficácia. As posições extremas contra o multiculturalismo, como as reveladas pelo assassino de Oslo, pretendem recuperar uma pureza que nunca existiu e apenas como mito pode ser reactivada. É preciso que os políticos europeus se lembrem que o projecto europeu, segundo os seus fundadores, vai no sentido de se alcançar uma sociedade caracterizada pelo pluralismo, pela solidariedade, pela tolerância, pela não discriminação. Neste aspecto, Merkel e Sarkozy têm-se revelado de uma ignorância perturbadora. As capitais europeias da cultura deverão também elas cumprir esta missão de promoção do multiculturalismo e de diálogo intercultural, ajudando a derrotar o terrorismo, seja ele de que natureza for.
Narciso Machado - 24-08-2011 PÚBLICO
Juiz desembargador jubilado