quinta-feira, 14 de julho de 2011

Descobrimentos Portugueses - Encontro de povos

Em tempos, apresentei uma mostra bibliográfica no Liceu (foto) integrada num projecto mais amplo subordinado ao tema “O ENCONTRO DE POVOS", com a colaboração dos meus queridos colegas Professor António Vilhena (pesquisa) e Professora Lourdes Sendas (montagem).
Parti à descoberta de livros que se debruçassem, de alguma forma, sobre a diáspora dos portugueses a partir do século XV, obviamente, relacionada com o período da Expansão Marítima e Descobrimentos.
Procurei, seleccionei e analisei obras fantásticas e, em cada página e em cada autor, ora a descoberta ora a redescoberta. Fascinantes!
O mistério do encontro, os medos, alegrias, o exotismo dos costumes, línguas, o quotidiano das gentes nunca vistas, as suas crenças e o seu sentir, a sua arte, sabedoria, o encontro com a diferença e com o desconhecido.
Que maravilha aquelas descrições, as narrativas, os desenhos e mapas, os testemunhos, relatos e as reflexões que provocavam!
Apaixonadamente, revisitava a História, a Literatura, a Geografia, a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Astronomia, as Ciências da Natureza! E perdia-me no meio de cores e sabores, sons e emoções, horas e horas de puro prazer com as palavras escritas por quem delas se abeirou, também, para nos ensinar. Porque nada é melhor do que o conhecimento.
O conhecimento da Vida e do Homem no seio das Ciências Sociais e Humanas, na perspectiva de um diálogo multidisciplinar e humanista cada vez mais desejável, porque as desigualdades continuam e o racismo também.


Mapa de Cantino




 Missa no Brasil


Uma página da Carta de Pêro Vaz de Caminha





Alguns apontamentos dessa actividade, com a indicação da obra a que pertencem,  evidenciando particularidades desse “encontro”. Pretendo, acima de tudo, motivar para a sua leitura e consulta.
As ilustrações aqui apresentadas foram retiradas da 1ª obra referida.





Descrições riquíssimas de Frei Bartolomeu de Las Casas, tanto dos índios perante os descobridores a caminho das Canárias, como das condições climatéricas em que o fizeram e do ambiente natural que encontraram!
Curiosamente, aborda o tipo de relações que se estabelecem entre cristãos e indígenas, evidenciando-se, nestas, a violência, a morte: “(…) matando las gentes que no les habian offendido em nada (…)”- página 221/2.
Vale a pena ver todas as ilustrações, belíssimas, de Roque Gameiro e, ainda:
página 77 - estampa com o modelo da máquina do Mundo.
página 121 – mapa de Juan de La Cosa (1500), com as Antilhas e o litoral da América.
página 175 – carta de navegar de Cantino (1502).
numa da páginas iniciais (s/número) – assinatura /dedicatória do Ministro da Educação Nacional, Carneiro Pacheco, referindo-se ao Liceu de Setúbal.
História da Colonização do Brasil, volume I.

Fascinante, excepcional, a CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA, página 86 à 89. A forma como ele nos retrata o povo de Porto Seguro! Apaixonante!
Interessantíssimas as descrições e os pormenores sobre o encontro de guerreiros tupiniquins com os navegadores do Atlântico!
Sentimo-nos, verdadeiramente, nesse momento único! Um misto de espanto, medo e fascínio pelo desconhecido!
Veja-se, também:
página 99 -  fac-simile da última página da Carta de Pedro Vaz de Caminha, com a sua assinatura.
página 145 – gravura / uma missa no Brasil.
página 237 – mapa / a África Meridional.
História da Colonização do Brasil, vol. II.

Na página XXIV, o autor considera que “a colonização europeia da América é o conflito ininterrupto entre a civilização e a Natureza”. Considera, também, que o português foi “o mais morigerado e humanitário, embora tenha recorrido frequentemente à violência, como os espanhóis e os britânicos”.
Faz descrições violentíssimas e com um tal realismo que chega a referir-se (página XXV)  à “ferocidade animal daquelas lutas exterminadoras e ritos canibalescos (…)”. Aborda, ainda, a escravatura, o povoamento e as execuções (página XIX e seguintes).
Vale a pena observar as gravuras apresentadas: retratos, fortalezas, povos encontrados, lutas, navios, execuções e mapas de então.
História da Colonização do Brasil, vol. III.

A missão essencial dos povoadores, no tocante aos indígenas, era trazê-los à fé cristã. Referem-se casos em que houve “excelentes relaçõese “estreito convívio” nesse encontro de povos (página 180 e seguintes). “Além dos colonos que se alistavam nas expedições povoadoras (…), havia, também, uma parte importante da população europeia, caso dos degredados e criminosos homiziados”.
Aborda-se a condição das pessoas …índios…escravos…, conforme se mostra, por exemplo, nas páginas 177 e seguintes.
Veja-se, nas páginas 125 e 126, uma carta fac-similada dando grandes poderes ao capitão-mor e a quem ficasse em seu lugar.
História da Colonização do Brasil, volume III.

Leitura muito interessante! O autor, por exemplo, no capítulo XVII, fala de métodos portugueses de  integração de povos autóctones e de culturas diferentes da europeia num complexo novo de civilização: o luso-tropical; no capítulo XV, refere-se ao Infante D. Henrique como pioneiro de uma política social de integração de não-europeus no sistema luso-cristão de convivência.
(Nota: a Constituição de 1822 tinha no seu artº 20º:”a Nação Portuguesa é a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios”).
Gilberto Freyre, O Luso e o Trópico.

Na obra Monumenta Henricina, respeitante aos anos de 1446 a 1448, encontramos, por exemplo, uma descrição interessantíssima (página 36 e seguintes) da luta dos navegadores portugueses contra os indígenas.
Monumenta Henricina

No “Manuscrito de Valentim Fernandes”, vale a pena observar as gravuras sobre mapas apresentados, por exemplo, a seguir à página 230, com as Ilhas de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Fernando Pó, Santa Helena…
Apresenta “(…) documentos que provam a coragem sublime de uma nação que venceu os oceanos para poder realizar o sonho de um império colonial gigantesco (…)” focando, também, “(…) aqueles que em vez de cuidarem do interesse da grande mater e do rei, cegos pelo vil egoísmo e pela sede de ouro e das riquezas esplandecentes do oriente, se esqueceram do nome português (…) destruíram, por acções detestáveis, crueldades horríveis, o vasto império lusitano que havia sido fundado (…)”.
Manuscrito de Valentim Fernandes”

Na página 56 e seguintes, há referências à forma como os habitantes das aldeias pagavam tributos aos senhorios que lhes concediam as terras para seu sustento.
(Nota: o Tombo informa sobre antigos tributos que os portugueses mantinham com grande vantagem para a Fazenda Real).
Os Tombos de Ceilão (1927)

A viagem de VASCO DA GAMA À ÍNDIA, acção central de OS LUSÍADAS, visava dois objectivos: dilatar o império português, dominando do ponto de vista territorial e comercial, e  implantar a religião cristã no prosseguimento da já velha cruzada contra os seguidores do islamismo.
Era uma missão providencial, desde o mítico aparecimento de Cristo a D. Afonso Henriques antes da batalha de Ourique (canto III, 42-54).
Facilmente se compreende que todos os que representavam impedimento à concretização do plano de D. Manuel fossem, naquela época, praticamente desprovida de consciência dos direitos humanos, alvo de um tratamento hostil, tão hostil que hoje nos escandaliza.
Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas

Num ancoradouro da costa ocidental africana, Fernão Veloso, marinheiro bravo e fanfarrão da armada do Gama, depois de perigosamente atacado por autóctones, refere-se-lhes como “cães”! (canto V, 35, v.7), mostrando uma desrespeitosa sobranceria, relativamente à “bruteza” dos indígenas africanos.
Em consequência das ciladas com que, na costa oriental africana (Ilha de Moçambique e Mombaça) e em Calecut, os nativos tentaram destruir a armada portuguesa, é frequentemente realçada a imagem dos infiéis movidos pela “manha e falsidade” (canto IX, 1,3). Neste caso, trata-se do “ódio ao inimigo religioso, quando ele se torna um obstáculo às actividades que constituíam o principal objectivo político (o estabelecimento de relações comerciais com o oriente e a criação de um vasto império) ou religioso (a evangelização dos povos que desconheciam o cristianismo”.
Maria Vitalina Leal de Matos, ed. Verbo, 2003, pp.51/2. Tópicos para a leitura de Os Lusíadas.
                                                                                                                                
Os Indianos viam perigar os seus interesses comerciais devido à acção de desconhecidos que professavam uma religião diferente.
Os naturais de Melinde, que acolhem a frota de Vasco da Gama com grande cortesia e entusiasmo (canto II, 72 e seguintes) e até lhe dão um piloto para os ajudar na travessia do Índico até Calecut, são alvo dos maiores elogios, o mesmo acontecendo com Monçaide, um mouro que, no contacto com os Portugueses, se revelou na Índia de grande simpatia e utilidade (canto VII, 24-41 e canto IX, 5-7).

Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas.

AS REACÇÕES FACE AO OUTRO, quer dos Portugueses quer dos naturais das várias regiões onde estes iam chegando, eram determinadas, não exclusivamente mas, acima de tudo, por critérios utilitários, em especial, de natureza económica, por interesses materiais, pela fatal omnipotência do “metal luzente e louro”, que Camões denuncia nas estâncias  finais do canto VIII da sua epopeia.
 Luís Vaz de Camões Os Lusíadas.

Dos muitos aspectos importantes da CARTA DE PÊRO VAZ DE CAMINHA (1500), dois merecem referência especial: o fascínio dos Índios pelos objectos (“cascavéis e manilhas”) que lhes mostra Nicolau Coelho e os pormenores com que, embevecidamente, esses mesmos Índios aparecem descritos, em todo o colorido esplendor do seu exotismo, a par da quase angélica nudez das moças, “bem moças e bem gentis”.
É o olhar europeu que, pela primeira vez, se extasia face aos habitantes do Novo Mundo.
Interessante: fac-símile e transcrição na folha 4 e texto em português actual nas páginas 230/1.
Org. Jaime Cortesão, Carta de Pêro Vaz de Caminha.

Fernão Mendes Pinto (1510?-1583) deixou, do seu peregrinar pela China, registo de muitos usos e costumes que lhe causaram espanto. O modo como é descrita a criação de patos (“adens”) torna-se particularmente apelativo, uma vez que os processos utilizados na mesma fazem lembrar o das chocadeiras eléctricas e os comedouros em série nos aviários actuais.
Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, v.II, páginas 165 e 166.

No reino da China, segundo Fernão Mendes Pinto, o governo, para auxiliar todos os deficientes (“aleijados das mãos”, “aleijados de péis e de mãos”, “mudos”, etc.) e pessoas desamparadas (“mulheres públicas” velhas e doentes, “moças órfãs”, “homens pobres e de bom viver”), punha em prática “ (…) a grandíssima ordem e maravilhoso governo que tem este Chim rei”.
Isto reflecte-se bem na existência, por toda a parte, de celeiros com “mantimentos para que a gente pobre não padeça necessidades”.
Fernão Mendes Pinto Peregrinação, v.II, páginas 240-247.

“O sistema de colonização, quando existia, visava sempre converter o africano num português”. O autor refere que os contactos entre portugueses e africanos foram quase totalmente unilaterais, e que os portugueses resistiram sempre a deixar-se influenciar por raças e civilizações que havia por atrasadas e, consequentemente, inferiores.
Aborda, também, a penetração portuguesa, o sistema de colonização e a escravatura (página 130 e seguintes).
 A.H. de Oliveira Marques, História de Portugal.

Entre outros aspectos, aborda-se, nas páginas 486 e seguintes, a evangelização e condição dos índios e “pretos” que, segundo o autor, foi sempre baixa.
Encontramos, mais uma vez, a referência ao lado missionário e evangelizador no encontro destes povos.
Fala, igualmente, da escravatura negra, sobretudo a importação de escravos de África para o Brasil, baptizados antes do embarque.
Nota: ao lado da página 324, podem ver-se mapas com os principais estabelecimentos portugueses na Ásia, no século XVI.
A.H. de  Oliveira Marques, História de Portugal.

Em 1974, ainda continuava tão actuante e viva a secular causa missionária dos Portugueses em terras de Moçambique que, nesse mesmo ano, o Pe. Alexandre Valente de Matos publicou este Dicionário Português-Macua, com o objectivo principal de facilitar o apostolado cristão junto das tribos macuas.
Pretendeu, também, contribuir, para que os europeus, encarregados de desempenhar funções não religiosas, dispusessem de um auxiliar linguístico que lhes facilitasse as relações com as referidas tribos.
Curiosa é a página 50, por apresentar várias palavras do campo lexical de religião.
Pe. Alexandre Valente de Matos,  Dicionário Português –Macua.
No IV Centenário da chegada à Índia, uma conferência sobre a influência dos Descobrimentos Portugueses na História da Civilização (1898).
Conferências de Consiglieri Pedroso.

Para além de gravuras muito interessantes, por exemplo, na página 144, sobre a primeira cidade fundada no Ultramar Português (Ilha de Santiago, Cabo Verde), temos abordagens relativas aos Portugueses em África, Ásia, Oceânia e América.
Portugal no Mundo (1967).

Damião de Góis (1502-1574), sublinha a cruel conduta do rei D. Manuel quando, em 1497, na sequência do édito de expulsão de judeus e mouros, publicou uma lei obrigando a retirar os filhos com menos de 14 anos aos seguidores do judaísmo que, não querendo converter-se à fé cristã, teriam de sair de Portugal.
Tal crueldade levou muitos desses judeus a matarem os filhos e até a suicidarem-se, e suscitou, nos próprios cristãos, tal piedade e misericórdia, que estes esconderam em suas casas muitas crianças judias, desobedecendo às ordens régias.
Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei Dom Manuel

Defensor incansável dos índios, o Pe. António Vieira (1608-1697) escreve do Maranhão (Brasil), em 4.4.1654. uma interessante carta ao Rei D. João IV. Nela, depois de dar a conhecer ao monarca que os governadores portugueses não obedecem às suas disposições legais, relativamente às populações autóctones, refere que uma das causas de morte de muitos índios, ao serem arrancados às suas terras, é a falta de mantimentos necessários ao seu sustento.
Pe António Vieira, Cartas (I)

Graças ao contacto com as terras que descobriam e/ou dominavam, e com os povos que, em seguida, iam colonizando, os Portugueses incorporaram progressivamente na sua língua vocábulos, do mesmo modo que termos do Português passaram a fazer parte de idiomas de povos distantes como os Japoneses e os Indianos, entre outros.
No Japão, por exemplo, adoptou-se a palavra portuguesa “tempero”, dando-lhe a pronúncia “tempura” e designando, com ela, um prato feito com camarões e legumes panados e fritos.
Os Indianos, por sua vez, perfilharam o vocábulo português “casta”que, depois de “aplicado às castas da Índia, (…) se estendeu a todas as línguas modernas com o sentido de classe social sem mistura e sem contacto com as demais”.
Dicionário Honaiss da Língua Portuguesa

Poeta dolorosamente experimentado em andanças por terras portuguesas do oriente, Bocage (1765-1805) deixou dos habitantes de Goa uma imagem em que avulta a vaidade sem limites.
Obcecados em exibirem fantasiosas genealogias de grande antiguidade e pretensas riquezas de vulto, os Goeses não passavam, no entanto, de pelintras cheios de presunção.
Bocage, Sonetos

Wenceslau de Morais (1854-1929), o “grande orientalista da literatura portuguesa moderna”, apaixonado pelo Japão, dedicou várias páginas à mulher japonesa. Não a achando bela, julga-a “a mulher mais gentil do mundo”, com os seus mil encantos”, “ondulante como a serpente”… uma sedutora irresistível!
Wenceslau de Morais

Fascinantes, os álbuns fotográficos sobre Moçambique (África Oriental Portuguesa), com imagens riquíssimas tanto do ponto de vista etnográfico como do ponto de vista arquitectónico e colonial!
Legendados. Vale a pena folheá-los! (a capa de um deles é aqui apresentada).