sábado, 25 de junho de 2011

O stress da cidade está a deixar uma marca no cérebro das pessoas

Assunto interessante mas muito preocupante!

A hora de ponta é só um exemplo do stress vivido na cidade, que infelizmente não acaba em cada experiência que se tem ou numa noite bem dormida. Foi isso que cientistas verificaram ao comparar pessoas que vivem em cidades com pessoas que vivem em zonas rurais. As primeiras reagem de uma forma diferente a experiências com stress. Esta diferença está marcada no cérebro, é mais profunda para quem nasceu e cresceu na cidade e está relacionada com doenças mentais como a esquizofrenia. O estudo foi publicado esta quarta-feira na revista Nature.

Há cada vez mais pessoas a viver em cidades 
Há cada vez mais pessoas a viver em cidades (Rui Gaudêncio)

“A nossa informação revela efeitos neuronais em pessoas que crescem e habitam em zonas urbanas quando enfrentam situações de stress social”, conclui o artigo escrito por uma equipa do Instituto de Saúde Mental da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.

O efeito da cidade no ser humano está longe de ser uma novidade e sabe-se por estudos descritivos que existe uma maior tendência de doenças mentais nas regiões urbanas. As pessoas têm 21 por cento de probabilidade acrescida de ter problemas de ansiedade e 39 por cento de terem problemas de humor. “Viver na cidade aumenta o risco de depressão e ansiedade e o rácio de esquizofrenia é marcadamente maior em pessoas que nasceram e cresceram na cidade”, escrevem os investigadores Daniel Kennedy e Ralph Adolphs, num artigo de análise da Nature sobre o estudo publicado agora.

Na nova investigação, a equipa liderada por Andreas Meyer-Lindenberg foi analisar o cérebro de alemães que vivem em três contextos diferentes: regiões rurais, regiões urbanas com mais de 10.000 habitantes e regiões com mais de 100.000 habitantes.

Os cientistas aplicaram vários testes de stress social a mais de uma centena de participantes saudáveis. Nos testes, as pessoas tinham que resolver problemas matemáticos ou espaciais em tempo limite e tinham uma pressão acrescida: um feedback negativo dos investigadores.

Os cientistas mediram vários parâmetros fisiológicos e através de imagens de ressonância magnética verificaram a resposta neuronal aos desafios. Os testes conseguiram induzir o efeito de stress nos participantes a nível fisiológico e cerebral mas houve diferenças importantes. A região da amígdala tinha uma actividade maior nas pessoas que viviam em zonas urbanas mais povoadas do que nas que vivam em zonas rurais.

Problemas desde o nascimento

A amígdala é uma região que sinaliza os efeitos negativos e as ameaças do ambiente. Paulo Machado não ficou surpreendido com estes resultados. Para o investigador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, “a experiência urbana é particularmente recente” na história do Homem, “é desafiadora” e pode fomentar o “desequilíbrio das pessoas”.

Segundo o especialista, esta resposta dos participantes é coerente face aos desafios que são colocados. “Está adaptada ao nível de stress que é imposto” nas regiões urbanas, disse o investigador, que não tem qualquer relação com o estudo, mas que o considera “altamente confirmatório” do que já se conhecia.

A análise cerebral também revelou que as pessoas que nasceram e cresceram em zonas urbanas tinham uma actividade anormal numa região específica do córtex durante as experiências. Esta região também está associada à resposta durante situações de stress num contexto social.

O que é que as cidades estão a fazer às crianças e aos adolescentes, quando estão nas escolas e mais protegidos de situações de stress? “As provas epidemiológicas sugerem que o efeito máximo acontece durante o nascimento, antes de chegarem aos jardins-de-infância – uma possibilidade é que a culpa seja do stress sofrido pelos pais”, explicou ao PÚBLICO Andreas Meyer-Lindenberg, coordenador da pesquisa.

Mais, o estudo mostra que nestas pessoas há uma ligação neuronal mais fraca entre a região da amígdala e a região do córtex. Esta ligação enfraquecida já era conhecida em doentes esquizofrénicos. Segundo o comentário de Kennedy e Adolphs, isto sugere “que neste circuito podem convergir um risco genético e um risco ambiental para o surgimento das doenças mentais”. Ou seja, se há uma tendência genética para alguém desenvolver algum tipo de doença mental, o ambiente stressante citadino pode dar um empurrão valente.

Esta questão é particularmente relevante para Paulo Machado. “Como nós hoje vivemos maioritariamente em cidades, isto deixa de ser um problema de uma minoria para passar a ser um problema de saúde pública”, explicou. Segundo o investigador, é preciso insistir neste estudos para tentar encontrar as causas directas de problemas que provocam o desequilíbrio e o stress nas pessoas. Um exemplo simples é o dióxido de carbono, que em maiores concentrações e durante largos períodos “aumenta exponencialmente a irritabilidade das pessoas”, disse o investigador português. Os taxistas ou condutores de transportes públicos estão especialmente vulneráveis a esta situação, que deve ser combatida. Já para a diminuição do stress, é preciso mudar o modo de vida, as rotinas, os horários, atitudes, comportamentos, o que é mais difícil.

“Nós não devemos olhar para estes estudos e dizer que alternativa é a não cidade. A cidade é uma das melhores invenções do homem”, disse. “O que precisamos é de uma verdadeira transformação do modo de vida urbano.”


Nicolau Ferreira, PÚBLICO, 22.6.11