sexta-feira, 24 de maio de 2019

Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação


Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação e nós, professores, não podemos continuar a ser meros funcionários’, não reflexivos e, ainda por cima, velhos e cansados.


Perante os acontecimentos da última semana, hoje escrevo com poucas certezas sobre o futuro da educação em Portugal. Após trinta anos de carreira numa escota da zona oriental da cidade de Lisboa onde, como em muitas outras, todos os contrastes da sociedade urbana se refletem, sei que irei continuar a trabalhar com uma população cada vez mais multifacetada, com graves carências socioeconómicas, famílias disfuncionais, vivendo em habitações precárias, com encarregados de educação na maior parte das vezes sem qualquer qualificação ou habilitação literária. É neste contexto de anacronismos e assimetrias que eu e milhares de professores por este país fora trabalhamos.
O ordenado de um professor deveria permitir-lhe - pagas as contas básicas obrigatórias (renda, transportes, alimentação, etc.) — um plafond para cultura (livros, cinema, teatro: concertos), uma vez que considero ser este um dos principais poderes de um professor. Num mundo em que tudo está acessivel através de um dique, é na cultura vivida. experienciada e partilhada que um professor pode fazer a diferença na vida dos nossos alunos, especialmente daqueles que a ela não têm acesso direto.
A única certeza que julgo possuir é esta: não é viável continuarmos alheios à necessidade de reculturaçãoda escola pública, através de novas formas de debate, ambicionando uma criatividade irreverente que nos permita a todos, alunos, professores, pais e outros parceiros, uma forma de viver mais feliz numa sociedade mais justa. Utopia, dirão. Não me parece A gestão curricular exige mudanças e adaptações urgentes, de forma a relançar o elo entre a escola e a sociedade numa perspetiva de adequação aos seus destinatários. A escola deveria ser capaz de proporcionar, paralelamente às aprendizagens comuns a todos, uma diferenciação que permita colmatar as diferenças cognitivas e culturais dos indivíduos. E sabem que mais? Isto não ocorre através de grelhas decorrentes de novos decretos.
A escola tem a obrigação de dotar os indivíduos de ferramentas que lhes permitam aprender ao longo da vida e não apenas durante os anos da sua escolaridade obrigatória. Numa época em que os processos de acesso à informação e ao conhecimento estão facilitados, qual será então a função do professor? A nova escola de que necessitamos exige que se ultrapassem todas as tradicionais resistências à mudança. Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação e nós, professores, não podemos continuar a ser meros funcionários’, não reflexivos e, ainda por cima, velhos e cansados. Parece-me claro que a qualidade da educação poder ser o único veículo que permitirá a Portugal competir numa Europa global e num mundo em que, cada vez mais, se valoriza o papel fulcral desempenhado pelas capacidades dos indivíduos para a resolução de problemas e adaptação a novas realidades e desafios.
É do conhecimento geral que uma sociedade iletrada falhará nos seus propósitos individuais, sociais e vocacionais. O mundo em que vivemos e a realidade que nos circunda não é exatamente aquela que se vive e se aprende nas escolas. Só de forma muito sincopada a mudança tem vindo a acontecer. E os seus efeitos também só a muito longo prazo surgirão. Importa que as escolas consigam dar o salto qualitativo para uma educação que viabilize a criatividade, a transformação, a criação e o saber, através de aprendizagens válidas e significativas para os alunos, contextualizadas e passiveis de transferência para novos contextos, de preferência reais. Resta-me deixar uma breve nota informativa aos políticos de Portugal: nada disto acontecerá sem os professores!

10.05.2019