Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação e nós, professores, não podemos continuar a ser meros funcionários’, não reflexivos e, ainda por cima, velhos e cansados.
Perante
os acontecimentos da última semana, hoje escrevo com poucas certezas sobre o
futuro da educação em Portugal. Após trinta anos de carreira numa escota da
zona oriental da cidade de Lisboa onde, como em muitas outras, todos os
contrastes da sociedade urbana se refletem, sei que irei continuar a trabalhar
com uma população cada vez mais multifacetada, com graves carências
socioeconómicas, famílias disfuncionais, vivendo em habitações precárias, com
encarregados de educação na maior parte das vezes sem qualquer qualificação ou
habilitação literária. É neste contexto de anacronismos e assimetrias
que eu e milhares de professores por este país fora trabalhamos.
O
ordenado de um professor deveria permitir-lhe - pagas as contas
básicas obrigatórias (renda, transportes, alimentação,
etc.) — um plafond para cultura (livros, cinema, teatro:
concertos), uma vez que considero ser este um dos principais poderes de um
professor. Num mundo em que tudo está acessivel através de um dique, é na
cultura vivida. experienciada e partilhada que um professor pode fazer a
diferença na vida dos nossos alunos, especialmente daqueles que a ela não têm
acesso direto.
A única
certeza que julgo possuir é esta: não é viável continuarmos alheios à
necessidade de reculturaçãoda escola pública, através de novas formas
de debate, ambicionando uma criatividade irreverente que nos permita a todos,
alunos, professores, pais e outros parceiros, uma forma de viver mais feliz
numa sociedade mais justa. Utopia, dirão. Não me parece A gestão curricular
exige mudanças e adaptações urgentes, de forma a relançar o elo entre a escola
e a sociedade numa perspetiva de adequação aos seus destinatários. A escola
deveria ser capaz de proporcionar, paralelamente às aprendizagens comuns a
todos, uma diferenciação que permita colmatar as diferenças cognitivas e
culturais dos indivíduos. E sabem que mais? Isto não ocorre através de grelhas
decorrentes de novos decretos.
A
escola tem a obrigação de dotar os indivíduos de ferramentas que lhes permitam
aprender ao longo da vida e não apenas durante os anos da sua escolaridade obrigatória.
Numa época em que os processos de acesso à informação e ao conhecimento estão
facilitados, qual será então a função do professor? A nova escola de que
necessitamos exige que se ultrapassem todas as tradicionais resistências à
mudança. Os alunos não podem continuar a ser meros recebedores de informação e
nós, professores, não podemos continuar a ser meros funcionários’, não
reflexivos e, ainda por cima, velhos e cansados. Parece-me claro que a
qualidade da educação poder ser o único veículo que permitirá a Portugal
competir numa Europa global e num mundo em que, cada vez mais, se valoriza o
papel fulcral desempenhado pelas capacidades dos indivíduos para a resolução de
problemas e adaptação a novas realidades e desafios.
É do conhecimento geral que uma
sociedade iletrada falhará nos seus propósitos individuais, sociais e
vocacionais. O mundo em que vivemos e a realidade que nos circunda não é
exatamente aquela que se vive e se aprende nas escolas. Só de forma muito
sincopada a mudança tem vindo a acontecer. E os seus efeitos também só a muito
longo prazo surgirão. Importa que as escolas consigam dar o salto qualitativo
para uma educação que viabilize a criatividade, a transformação, a criação e o
saber, através de aprendizagens válidas e significativas para os alunos,
contextualizadas e passiveis de transferência para novos contextos, de
preferência reais. Resta-me deixar uma breve nota informativa aos políticos de
Portugal: nada disto acontecerá sem os professores!
10.05.2019