Só faremos isto em conjunto, pela acção persistente e decidida de milhões de pessoas. “Vamos mudar o destino da Humanidade.”
15 de Março de 2019
Hoje é um dia histórico, com
uma das maiores mobilizações globais de sempre, sobre qualquer tema que seja. É
a maior mobilização de jovens e a maior
mobilização pela justiça climática que alguma vez aconteceu. Todas as pessoas que mobilizaram,
que convocaram e que hoje se juntam e se encontram nas ruas de mais de mil
cidades por todo o mundo devem saber que fazem parte de um momento
extraordinário. Começa uma nova História da justiça climática.
Durante
as últimas três décadas, milhares de pessoas por todo o mundo empurraram um
comboio pesado, o comboio da inércia, o comboio da conformação, o comboio do
sistema, à procura de soluções e vontade política para resgatar a civilização.
Muito mais grave do que a meia dúzia de negacionistas de alterações climáticas
(com desproporcionado impacto mediático), foram mesmo os arquitectos das
políticas dos últimos anos os grandes responsáveis por vivermos numa emergência
climática sem paralelo na História da Humanidade.
“O desprezo pelos jovens, o desprezo pelas pessoas comuns, foi convertendo superficialmente milhares de milhões em cínicos, em hipócritas, em seres amorfos e autocentrados. O poder retirado pela economia e pela política às populações foi criando um espírito de derrota, de impotência, de conformação a tudo o que viesse de cima, à ordem e à obediência. Apesar de haver sempre quem resistisse, esse espírito imperou durante muito tempo.”
De nada serviram Barack Obamas, Justin Trudeaus ou Uniões Europeias a gritar o seu empenho no combate às alterações climáticas, de nada nos serviram as tintas verdes com que empresas destruidoras como a BP ou a Volkswagen se foram pintando porque, apesar de andarmos há décadas à procura de acordos para cortar as emissões de gases com efeito de estufa, 2018 foi o ano com o mais alto nível de emissões alguma vez registado. Nesse contexto de enorme frustração, de enorme contradição, empurrámos, contra o senso comum, contra a política banal, contra a TINA (There Is No Alternative), assistimos ao colapso em Copenhaga, exigimos que não houvesse mais explorações de petróleo, gás e carvão, se queríamos salvar o futuro da civilização. Às costas, levávamos a Ciência, a vontade e a certeza de que isto não podia acabar assim, que a Humanidade não podia ser só isto.
O
desprezo pelos jovens, o desprezo pelas pessoas comuns, foi convertendo
superficialmente milhares de milhões em cínicos, em hipócritas, em seres
amorfos e autocentrados. O poder retirado pela economia e pela política às
populações foi criando um espírito de derrota, de impotência, de conformação a
tudo o que viesse de cima, à ordem e à obediência. Apesar de haver sempre quem
resistisse, esse espírito imperou durante muito tempo. Chegados a um dia como
hoje percebemos como era superficial esse espírito, e especialmente superficial
a análise de que isso se poderia manter.
A
temperatura média global nas últimas três décadas só tem comparação com o
período interglacial do Eemiano, há mais de 115 mil anos. Haveria nessa altura,
quanto muito, alguns milhões de seres humanos (menos do que os dedos de uma
mão). O centro da Europa era uma savana, o Reno e o Tamisa tinham hipopótamos e
crocodilos. O nível médio do mar era seis a nove metros mais alto do que hoje.
Os cinco anos mais quentes desde que há registos são os últimos cinco (2016,
2015, 2017, 2018, 2014). Devido à queima massiva de gases com efeito de estufa
que começou na Revolução Industrial e que disparou a partir do final da Segunda
Guerra Mundial, criámos um clima em que nunca vivemos antes, diferente daquele
em que foi possível inventar a agricultura, a escrita, a civilização. O
capitalismo industrial fóssil acabou com o Holoceno, o período geológico dos
últimos 12 mil anos que permitiu que a nossa espécie de instalasse e
proliferasse por todo o planeta.
Mas a
inacção garante-nos uma degradação muito maior do que esta, e cada dia, cada
semana, cada mês em que a máquina industrial fóssil se mantém em produção
máxima agrava o nosso futuro. Cada momento em que a máquina industrial fóssil
se mantém em produção ficam em causa a viabilidade dos territórios em que
habitamos hoje, a sua capacidade de nos continuar a sustentar, quer pela
redução da capacidade de produção alimentar e da disponibilidade de água, quer
pelos fenómenos climáticos extremos e a subida do nível médio do mar. A reacção
perante este estado de coisas é uma manifestação de autoprotecção. Não estamos
a defender a Terra, nós somos parte da Terra e estamos a defender-nos a nós
mesmos.
Nomeada para o Prémio Nobel da
Paz, Greta Thunberg, a jovem sueca de 16 anos que
disse exactamente isto na cara das lideranças mundiais
na Polónia, foi o ponto de apoio e a sua greve, todas as
sextas-feiras frente ao Parlamento da Suécia, foi a inspiração para a greve mundial climática. Mais tarde, o colectivo
que convocou esta greve diria em carta aberta publicada no The Guardian: “Vamos mudar o destino da Humanidade.” Não é menos do que isto o que
precisa de acontecer.
Esta chamada à acção colectiva retira o derrotista enfoque na acção individual que vigorou nas últimas décadas. Só faremos isto em conjunto, pela acção persistente e decidida de milhões de pessoas. Tentar reduzir o que acontece neste 15 de Março de 2019 a uma chamada para pequenas acções individuais ou locais é perverter o que está a acontecer: “Vamos mudar o destino da Humanidade.”
Esta chamada à acção colectiva retira o derrotista enfoque na acção individual que vigorou nas últimas décadas. Só faremos isto em conjunto, pela acção persistente e decidida de milhões de pessoas. Tentar reduzir o que acontece neste 15 de Março de 2019 a uma chamada para pequenas acções individuais ou locais é perverter o que está a acontecer: “Vamos mudar o destino da Humanidade.”
Tudo irá
mudar nas nossas economias e nas nossas sociedades. Se não formos nós a
organizar estas mudanças, será o novo clima, sem qualquer contemporização.
Vivemos neste momento dentro do arranha-céus em chamas do capitalismo global e
todos os alarmes estão a tocar. Não existe nenhum bombeiro mágico para apagar
as chamas. Está na hora de sair e construir uma nova casa para a Humanidade.
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