Quadro de Malangatana* |
Quadro de Malangatana,
1983. Existe o "Yes man". Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas
existe o May be man. E poucos sabem quem é. Menos ainda sabem o impacto desta
espécie na vida nacional. Apresento aqui essa criatura que todos, no final,
reconhecerão como familiar.
O May be man vive do
"talvez". Em português, dever-se-ia chamar de "talvezeiro".
Devia tomar decisões. Não toma. Simplesmente, toma indecisões. A decisão é um
risco. E obriga a agir. Um "talvez" não tem implicação nenhuma, é um
híbrido entre o nada e o vazio.
A diferença entre o Yes
man e o May be man não está apenas no "yes". É que o "may
be" é, ao mesmo tempo, um "may be not". Enquanto o Yes man
aposta na bajulação de um chefe, o May be man não aposta em nada nem em
ninguém. Enquanto o primeiro suja a língua numa bota, o outro engraxa tudo que
seja bota superior.
Sem chegar a ser chave
para nada, o May be man ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser do
partido. Ele aceitou por conveniência. Mas o May be man não é exactamente do
partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores
políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da
aparência. A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra amanhã. E
venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua ideologia tem um só
nome: o NEGÓCIO. Como não tem muito para negociar, como já se vendeu terra e
ar, ele vende-se a si mesmo. E vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se
"comissão". Há quem lhe chame de "luvas". Os mais pequenos
chamam-lhe de "gasosa". Vivemos uma nação muito gaseificada.
GOVERNAR não é, como
muitos pensam, tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o May
be Man, uma OPORTUNIDADE DE NEGÓCIOS. De "business", como convém hoje
dizer. Curiosamente, o "talvezeiro" é um veemente crítico da
corrupção. Mas apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é
legítima, patriótica e enquadra-se no combate contra a pobreza.
Afinal, o May be man é
mais cauteloso que o andar do camaleão: aguarda pela opinião do chefe, mais
ainda pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus, não há luz
nem verde para ninguém.
O May be man entendeu mal
a máxima cristã de "amar o próximo". Porque ele ama o seguinte. Isto
é, ama o governo e o governante que vêm a seguir. Na senda de comércio de
OPORTUNIDADES, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois,
vendeu-a ao português, ao indiano. E está agora a vender ao chinês, que ele
imagina ser o "próximo". É por isso que, para a lógica do
"talvezeiro" é trágico que surjam decisões. Porque elas matam o
terreno do eterno adiamento onde prospera o nosso indecidido personagem.
O May be man descobriu
uma área mais rentável que a especulação financeira: a área do não deixar
fazer. Ou numa parábola mais recente: o não deixar. Há investimento à vista?
Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece o
final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a
papelada. Numa palavra, o May be man actua como polícia de trânsito corrupto:
em nome da lei, assalta o cidadão.
Eis a sua filosofia: a
melhor maneira de fazer política é ESTAR fora da política. Melhor ainda: é ser
político sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele
sai dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E
a lei e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do chefe. E,
à cautela, os do chefe do chefe.
O May be man aprendeu a
prudência de não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar os
poderosos. Agradar ao dirigente: esse é o principal currículo. Afinal, o May be
man não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala por via do
discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo. Podem nomeá-lo
para qualquer área: agricultura, pescas, exército, saúde. Ele está à vontade em
tudo, com esse conforto que apenas a ignorância absoluta pode conferir.
Apresentei, sem
necessidade o May be man. Porque todos já sabíamos quem era. O nosso Estado
está cheio deles, do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade
humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do May be
man não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas.
Uma fortuna bem real paga mensalmente a fantasmas. Nenhum país, mesmo rico,
deitaria assim tanto dinheiro para o vazio.
O May be Man é utilíssimo
no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não
serve.
por Mia Couto, escritor.
*https://pt.wikipedia.org/wiki/Malangatana