quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Maldito extremismo religioso

Ao centro, o líder do grupo extremista Boko Haram, Abubakar Shekau
 Foto: AFP PHOTO / BOKO HARAM / AFP


O que fez e o que fizeram a esta pobre criança de 10 anos para ter sido obrigada a matar-se e a matar?
Maldita gente que a isto a levou! Maldita gente que manipula de forma aterradora, vil, sanguinária, cobarde, que até crianças arregimenta para as suas fileiras do ódio e do extremismo religioso. Maldita gente!
Maldita gente que da religião se serve, como se o Deus que adoram e cujas palavras repetida e doentiamente dizem seguir dos textos sagrados, lhes peça em troco da suposta salvação o sacrifício de inocentes, o ódio e a raiva contra irmãos, a intolerância, a morte e o sangue com o qual se benzem mecanicamente, irracionalmente, desumanamente, todos os dias, a todas as horas, em espaços de culto que raramente apelam, seguramente, ao fim desta visão destrutiva e infernal do outro, apropriando-se da religião para nela assentarem a fundamentação da sua mente perversa e devastadora que manipula e recruta meninas como esta, mais uma entre   milhares, às quais prometem o céu a troco do Inferno que na terra deixaram.
Maldita gente que manipula e vulgariza a dor e o terror e que da natureza humana o pior nos mostra e o pior nos dá! Maldita!
A religião para que serve?
Para que tem servido a Religião ao longo dos tempos? E por que razão há tantas religiões, com tantos deuses e tantos cultos e tantos princípios morais se, afinal de contas, elas não têm servido para unir, antes, para se evidenciarem numa ótica claramente individualista, maniqueísta, assustadora, prepotente, que maus frutos tem dado e continuará a dar, absolutamente voltadas só para si próprias e para os seus seguidores, cegos, medievalistas, nessa clara e fechada orientação espiritual que, e por isso mesmo, lhes tolda a visão e o espírito para a aceitação de um mundo plural, diferente, e que precisamente pela diferença maravilhe, deslumbre, se enriqueça e fortaleça?
Serão os deuses e as religiões que existem tão diferentes entre si que não se possam enfrentar, coabitar, numa coexistência pacífica indispensável para a harmonia que tanto pregam? Ou será que os deuses que dizem adorar são, afinal, a imagem de si próprios, da sua bestialidade, a imagem dos que os criam e não a imagem do próprio Criador supostamente bom e misericordioso?
Continua a adiar-se ou a levar-se muito pouco a sério este diálogo urgente, qual catarse religiosa, espiritual, que deve, acima de tudo, partir dos líderes religiosos, sejam eles quais forem, e sem os quais jamais se porá travão a esta assassina apropriação de um deus que mais não é do que a abusiva e interesseira apropriação dos livros sagrados, oportunisticamente apresentados como lei suprema à qual todos se têm de vergar ou não.
Muito há a fazer para sairmos destas formas de viver a espiritualidade, a religiosidade, tão perigosamente encostada a um teocentrismo e primitivismo que afinal persistem, pese a evolução do Tempo, da História e da Mentalidade, como se nunca tivesse havido uma Reforma, uma Contrarreforma, um Martinho Lutero, um John Huss, um Savonarola... o Renascimento, o Humanismo... como se nunca tivesse havido a Inquisição e as suas práticas assassinas, como se nunca tivesse havido uma política de Reconquista Cristã, como se nunca tivesse havido cruzadas e políticas que as incentivaram, como se nunca Igreja e Poder unidos tivessem estado, nessa relação política que ao longo da História em Mal se traduziu, perversa, monstruosamente ameaçadora, vestida de um laicismo que nunca existiu na realidade nem nunca na realidade interessou a certos Estados e a certos governantes, exceto para submeter povos e nações, princípios e valores.
Muito há a fazer por parte dos líderes religiosos e políticos, muitos deles mais líderes políticos do que religiosos, mas nos quais continuo a depositar, pelo lugar que ocupam, a esperança para a harmonização deste mundo exangue, um mundo que não aprendeu as lições da História, que não as entendeu ou sequer as quis entender, que não as levou a sério ou sobre elas refletiu, tal a fome e sede de Poder que os enlouquece e embrutece, numa contínua e perigosa confrontação que já não é só religiosa mas também política, ameaçadora, brutal e criminosa.


Nazaré Oliveira