"A Europa passou cinco séculos a gerir o mundo e
a dizer como fazer, mas hoje não tem grandes soluções, nem para o mundo nem
para si própria"
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos afirmou hoje
que o sistema político português "não cria cidadãos, cria súbditos" e
defendeu uma renovação política de Portugal e da Europa, atendendo às
alternativas e soluções que se encontram no "Sul global".
O sociólogo defende que seria necessário reformar o
Estado e encontrar "novas democracias", de forma a sair de "uma
cultura de submissão", que se insere num "contexto europeu de que não
há alternativa".
Em Portugal, "quer-se gente que se submete, mas
que não se revolte", observou, sublinhando que os direitos sociais
conquistados com o 25 de Abril "não entraram no imaginário dos portugueses
como algo que lhes pertence, mas como dádivas".
Aliado a isso, vive-se uma "espera sem
esperança", onde não há expectativa de uma vida melhor e em que "tudo
é feito" para que o povo "se resigne", levando o país, segundo
Boaventura, a "um estado de dormência".
Pegando na seleção portuguesa de futebol, constata que
a sua participação no Mundial de futebol que decorre no Brasil foi "o
espelho do país: sem soberania e sem aspirações".
Portugal e a Europa deveriam procurar
"alternativas, olhando para o Sul global", como a América Latina,
Índia ou África, e encontrar soluções e respostas que estão a ser desenvolvidas
por Estados, comunidades ou regiões fora de uma perspetiva ocidental e
"neocolonialista", disse o sociólogo, que irá falar na sessão de
apresentação do Colóquio Internacional Epistemologias do Sul, que se realiza
entre quinta-feira e sábado, em Coimbra, e que é promovido pelo projeto de
investigação Alice, do qual é coordenador.
"A Europa passou cinco séculos a gerir o mundo e
a dizer como fazer, mas hoje não tem grandes soluções, nem para o mundo nem
para si própria", diz o sociólogo.
De acordo com Boaventura, a União Europeia
"morreu após a crise grega" e, para se regenerar, tem de trazer para
o Norte "a dinâmica de esperança e de soluções" que surge no Sul, que
se gerou por resistência a uma presença europeia sob "a forma de
neocolonialismo" ou pela falta de soluções apresentadas pelo ocidente.
Uma espécie de "regresso das caravelas", com
uma "política renovadora de conhecimento", embebida na "inovação
e nas experiências de luta e de resistência do Sul", reforça, observando,
porém, que o ocidente teria de "mudar de óculos" e de remover algum
"preconceito e displicência" que tem para com países periféricos.
Boaventura admite que os países do Sul também têm
"muitos problemas, obstáculos e limitações", rejeitando uma ideia
romântica sobre os mesmos. Contudo, encontra nesses mesmos países "a
esperança" e a "expectativa de uma vida melhor", o que incita os
cidadãos a "participar ativamente" e a revoltarem-se "quando não
encontram soluções".
O projeto Alice, coordenado pelo sociólogo, no qual
estão associados mais de 100 investigadores nacionais e estrangeiros, procura
aliar essas novas alternativas e pensamentos para apresentar ideias de uma
Europa "pós-neoliberal", em que haja um diálogo entre Sul e Norte.
"A Europa terá de ter uma aprendizagem de fora
para dentro", afirmou, avançando que em 2016, altura em que o projeto
integrado no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra termina,
Boaventura de Sousa Santos irá apresentar os resultados do Alice no Parlamento
Europeu.
Boaventura de Sousa Santos
*Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo
ortográfico aplicado pela agência Lusa