Nos 40 anos do 25 de Abril: o
governo é dono das pessoas ou as pessoas são donas do governo?
Quando se
pergunta se o 25 de Abril valeu a pena o sinal é muito sério.
Esta pergunta foi feita insistentemente por Winston
Churchill, em discurso após discurso, a partir de 1933, data em que Hitler
chegou ao poder. Repetia-a vezes sem conta. Retomou-a num discurso radiofónico
dirigido aos italianos, em 1944, e depois na Universidade de Leiden, na
Holanda, em 1946. Umas vezes a pergunta era dirigida contra as ditaduras de
Hitler e Mussolini, outras contra a ditadura de Staline e seus apaniguados.
Vale a pena
recordar a pergunta de Churchill a propósito das comemorações dos 40 anos do 25
de Abril. Jornais e revistas, rádios e televisões têm repetido a pergunta:
"o 25 de Abril valeu a pena?". Todas as perguntas são boas para
começar uma conversa. Mas esta, francamente, não dá para grande conversa. É
óbvio que valeu a pena -- pela simples razão de que o regime existente antes do
25 de Abril era absurdo.
A pergunta
realmente pertinente é quase oposta: como foi possível aturar uma ditadura em
Portugal durante 48 anos? Porque é que a ditadura só caiu em 1974? Essas são
perguntas difíceis e eventualmente embaraçosas.Em 1215 – repito, em 1215 – a Magna Carta declarava que o Rei não podia prender um súbdito sem uma acusação formulada à luz da lei. Que todos os súbditos tinham direito a um julgamento leal pelos seus pares. Que a ninguém podia ser vedado o direito de viajar ao estrangeiro. Que o Rei não podia confiscar a propriedade dos súbditos, nem cobrar impostos sem o consentimento destes.
Isto passou-se em 1215. Em 24 de Abril de 1974 – e, em bom rigor, até pelo menos 26 de Novembro de 1975 – estes preceitos não eram respeitados em Portugal.
Em nome de
quê? Por que razão? Os historiadores saberão dizer-nos mais em detalhe. Mas, em
termos de teoria política, as razões do Dr. Salazar e do Prof. Marcelo Caetano
eram de natureza semelhante à das que foram papagueadas pelos comunistas após o
25 de Abril e até ao 25 de Novembro.
As razões
aduzidas para não respeitar os preceitos da Magna Carta de 1215 eram
basicamente as seguintes: eles sabiam o que era bom para o país, os outros não;
os que discordavam do que era bom eram necessariamente inimigos do bem. Por
estas razões, cabia ao governo dos bons dirigir e pastorear as massas,
perseguindo e calando os maus. Por outras palavras, Salazar, Caetano, Cunhal e
Cia achavam que o governo era dono das pessoas, não que as pessoas eram donas
do governo.
Vale agora a
pena recordar os sete testes que Churchill apresentou para sabermos quem era
dono de quem, se o governo do povo ou o povo do governo. Eis os sete testes:
–
"Existe liberdade de expressão de opiniões e de oposição e crítica ao
governo que se encontra no poder?
– Os
cidadãos têm o direito de destituir um governo que considerem censurável e
estão previstos meios constitucionais de manifestarem a sua vontade?
– Existem
tribunais que estão ao abrigo de violência por parte do executivo ou de ameaças
de violência popular e sem nenhumas ligações com partidos políticos
específicos?
– Poderão
esses tribunais aplicar leis claras e bem estabelecidas que estão associadas,
na mente das pessoas, ao princípio geral da dignidade e da justiça?
– Há
"jogo leal" para pobres e para ricos, para os cidadãos comuns e para
os detentores de cargos públicos?
– Existe a
garantia de que os direitos dos indivíduos, ressalvadas as suas obrigações para
com o Estado, serão mantidos, afirmados e enaltecidos?
– Está o
simples camponês ou operário que ganha a vida trabalhando e lutando diariamente
para sustentar a sua família livre do receio de que uma qualquer organização
policial sinistra, controlada por um único partido, lhe bata à porta e o leve
para a prisão ou para ser sujeito a maus-tratos sem um julgamento justo e
público?"
O leitor
pode certamente reparar que não se encontra nestes testes de Churchill uma
única referência ao conteúdo substantivo das políticas de cada governo. Se é de
esquerda, se é de direita, se promove ou se enfraquece o chamado "Estado
social". Churchill não perguntava se "a democracia vale a pena"
em função de concordarmos ou não com as políticas passageiras do governo
transitoriamente em funções.
Quarenta
anos depois do 25 de Abril, esta visão churchilliana da democracia não parece
ainda enraizada entre nós. Quando se pergunta se o 25 de Abril valeu a pena – e
quando a pergunta é levada a sério e se começa a discutir os resultados
"deste regime" – o sinal é muito sério. Foi por estas e por outras
que a ditadura durou 48 anos entre nós. E foi também por isso que, logo a
seguir ao 25 de Abril, por pouco não íamos tendo outra ditadura de sinal
contrário.
21/04/2014
Professor universitário, IEP-UCP