“No meio de um povo geralmente corrupto, a liberdade não pode durar muito”
(Edmund Burke).
As notícias sobre o apoio dos ministérios da Educação, sob as tutelas do
Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, aos colégios do Grupo GPS,
têm inundado os meios de comunicação social com justo destaque para a
reportagem da TVI, da autoria jornalista Ana Leal, que deu início a todo este
escabroso processo.
No que concerne à imprensa escrita, do jornal PÚBLICO do dia 22 transcrevo:
“A Polícia Judiciária (PJ) realizou esta terça-feira uma operação que
envolveu mais de cem inspectores que visou o grupo de ensino GPS (Gestão e
Participações Sociais), detentor de 26 colégios, entre os quais 14 que recebem
apoio do Ministério da Educação. Em investigação, apurou o PÚBLICO estão crimes
de corrupção e branqueamentos de capitais.”
Independentemente do maior ou menor nível de gravidade do que se
venha a apurar, para além do incumprimento, também, em outros colégios
convencionados, da legislação que obriga a que os colégios que recebem apoio
estatal estejam implantados em localidades sem oferta de ensino oficial, é caso
para dizer que a procissão ainda vai no adro. Assim, impõe essa legislação: “Em
zonas carecidas de escolas públicas, o Estado celebra contratos de associação
com escolas particulares, com a finalidade de possibilitar às populações locais
a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do
ensino público.” E, por não haver almoços grátis, tudo isto à custa do
dinheiro dos impostos pagos em sacrifício impiedoso de uma magra classe média
asfixiada entre pobres esquálidos e ricos com a chamada curva da felicidade
numa barriga que mal cabe dentro de calças do tamanho XXL.
Mal me passava pela cabeça que o escândalo atingiria tamanhas proporções,
na altura em que foi publicado um meu artigo de opinião sobre este assunto, de
que transcrevo o seguinte parágrafo:
“A grande parte desta polémica, longe de ter chegado ao fim, reduz-se a uma
coisa tão simples como dever o ensino privado com contrato de associação ser
uma alternativa ao ensino público inexistente numa determinada área e não como
mera satisfação megalómana de famílias pouco abonadas que gostam de blasonar a
riqueza de terem os filhos a estudar em colégios à custa do erário público, o
dinheiro dos impostos de todos nós” (“Ensinos oficial, convencionado e privado”, PÚBLICO, 13/11/2013).
Seja-me permitido, agora, este acrescento (em evocação do ditado popular,
de que “grão a grão enche a galinha o papo”):
“E muito menos de bafejados pela fortuna que, desta forma, acrescentam,
ainda que modestas, migalhas às respectivas contas bancárias.”
A confirmar-se o grande número de suspeitas que impendem sobre este caso,
estaremos na presença de situações graves que afectarão a reputação do nosso
país, ferindo, por outro lado, o regime democrático nele vigente, porque, na
opinião de Aldous Huxley, “nos estados autocraticamente organizados, o
espólio do governo é compartilhado entre poucos: nos estados democráticos há muito
mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior
de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas; a
experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais
dispendioso do que o governo por poucos".
Nestes últimos anos, tem-se assistido, apesar da torrente caudalosa dos fundos comunitários de que o país beneficiou e esbanjou em obras faraónicas, ao triste panorama da bolsa dos portugueses ser castigada com impostos mais elevados que os da grande maioria dos países europeus; e, last but not least, alguns países do Leste Europeu começam a aproximar-se – ou mesmo a superiorizarem-se – ao desenvolvimento destas paragens lusitanas. Não fossem os relatórios nada abonatórios para o nosso país, que nos chegam em catadupa do estrangeiro, e são publicados nos media (bendita liberdade de imprensa!), quase poderíamos ser levados a pensar que o bem-estar da Pátria e a felicidade dos portugueses residem, tão-só, em encontrar respostas para perguntas que lhe angustiam o seu dia-a-dia, como, por exemplo, saber antecipadamente qual o clube que virá a vencer o actual Campeonato da Primeira Liga de Futebol. Nestas circunstâncias, e numa nada “ditosa Pátria”, com umas tantas personagens com responsabilidades sociais, políticas e económicas que, em momentos de grave crise nacional, parecem preocupar-se com questões menores, foi sacudida a opinião pública, pelo menos aquela mais atenta e responsável, pelo artigo de Daniel Kaufmann que nos dá conta de que “Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking do controlo da corrupção” (Finance & Development, revista editada pelo Fundo Monetário Internacional, Setembro de 2005). Numa altura em que a salvação da nossa economia, mercê das asneiras que se fizeram com sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento e medidas quejandas, e as tentativas de cura se revelaram como simples mezinhas de curandeiros com o perigo de o doente não morrer da doença mas da cura, foi encarada como salvação, in extremis, a chegada e permanência no nosso torrão natal do FMI, que fez recair sobre os justos as asneiras dos pecadores responsáveis por um estado deplorável das finanças públicas que conduziu Portugal à penosa situação actual. Um estado deplorável das finanças públicas em que os governantes se regozijaram, dias atrás e publicamente, com o facto de o défice de 2013 ter baixado, não tanto pela diminuição das gorduras do Estado, como seria desejável, mas mais pela pesada carga de impostos imposta aos cidadãos nacionais como se “o acto de tributar fosse idêntico a depenar de um ganso, procurando obter o maior número de penas com a menor gritaria” (Jean-Baptiste Colbert). Até quando?
A resposta encontro-a em Pessoa: "Em um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.” Percorram-se, portanto, novos trilhos que levem a que não seja uma quase moribunda classe média a pagar a factura dos erros cometidos por uma determinada e descarada linha de rumo ao serviço de interesses de políticos e suas amizades. Mas haverá coragem para tanto?
Rui J. Baptista
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Rerum Natura 11.2.2014