sábado, 26 de maio de 2012

Vergonha nacional


Este é o País das Exceções. Afinal, o pagamento da crise não é igual para todos. Os cortes são só para alguns. Os senhores que comem caviar, que se banham em perfumes, que se passeiam de Bentley e jogam golfe não podem ser prejudicados nas suas vidinhas. Era descaramento a mais do Governo tratar todos de forma igual.

Rapazes bens cheirosos, charmosos e de porte elegante merecem o estatuto de exceção. É justo. Os que vieram ao mundo para sofrer e suportar a canga dos sacrifícios é que devem pagar a crise. Pensar de outra forma é revelador de inveja, sentimento mais mesquinho do indivíduo. E se refilarem, porrada neles.

Com o fim do colonialismo, em que tínhamos brancos e negros, agora temos brancos de primeira, segunda e terceira categorias. É a estratificação social mais adequada e proporcional à importância do custo e do cheiro do perfume de cada um. É assim que está o País, cheio de gente que luta sem esperança. Tiram-lhes tudo sem sequer pedir licença. E todos consentem no silêncio do sofrimento.

Para além do estatuto de exceção, o Governo criou uma espécie de apartheid social. Obrigar os homens do caviar a conviver, no mesmo espaço social, com gente que nada tem, mal nutrida e que não é solidária com o estatuto de exceção é de uma violência sem limites e piedade. Só a razão pública pode potenciar a criação de sociedades menos injustas.

Governar é fazer escolhas. As escolhas foram feitas e a lista dos privilegiados, que gozam deste estatuto de exceção, tem crescido.

No Orçamento para a Assembleia da República, aprovado por todos os partidos, os deputados e os funcionários da AR mantêm os subsídios de férias e de Natal em 2012; à semelhança do que se passa na TAP Portugal, para a SATA, para a CGD e para o Banco de Portugal.

Reparem bem: este ano, o Governo autorizou vinte e três empresas e institutos públicos a terem regras mais abertas e flexíveis no que toca às reduções salariais, quer dos trabalhadores, quer dos gestores. Os principais beneficiários das exceções são os administradores de empresas públicas, que levaram muitas delas à ruína financeira.

A lista está a crescer não na medida das necessidades, mas da ganância: CTT, NAV, ANA, Parque Expo, Instituto Nacional de Estatística e Infarmed…

Haja decoro! Nenhuma razão pública justifica esta afronta de exceção na não partilha dos sacrifícios.

É muito injusta a sociedade que estamos a criar.

Rui Rangel, Juiz Desembargador, in http://www.cmjornal.xl.pt/