quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O direito à indignação

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Uma coisa é certa! São sempre os do costume a pagar as crises financeiras, consequência mais do que óbvia de más políticas, maus políticos e dos roubos e saques institucionalizados e legislados por quem se tem apoderado do poder e subrepticiamente se tem servido dele para proveito pessoal e ascensão social.


Já não se aguenta tanto compadrio, tanta corrupção, tanta falsidade e tantas injustiças sociais! Caminhamos para um beco sem saída mas, quem fica sempre encurralado é quem não pode nunca defender-se porque não teve nunca como defender-se.

Só a união fará a força. Só a união permitirá a mudança e a sua consolidação em torno de um compromisso geral onde cada um se constituirá peça-chave para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, ao serviço de todos e não de alguns.

Ao longo da História as mudanças profundas e os momentos de ruptura fizeram-se porque as pessoas, tomando consciência da sua força, da humilhação constante e da exploração de que eram alvo, das injustiças e das cada vez maiores e mais gritantes desigualdades sociais, indignaram-se!

Sim, indignaram-se.

Exerceram o seu direito à indignação tantas vezes amordaçado, escamoteado e vilipendiado pelos que temem o poder do povo e os combates travados na rua, quando esse povo sentiu que a sua vida em morte se tornava se o pouco que fizesse em luta não redundasse.

Isto não pode continuar:

miséria e fome, consumismo e esbanjamento, exploração desenfreada dos recursos naturais, desertificação dos solos, endividamento contínuo para satisfação dos caprichos político-partidários da mediocridade reinante, um novo-riquismo cada vez mais arrogante, ignorante e ardiloso, falta e quebra de valores como a solidariedade, justiça social, humanidade, seriedade, trabalho e esforço pessoal, endeusamento de figuras públicas ignorantes e completamente ocas nas ideias e na acção, promoção das pessoas não pelo trabalho que fazem e pela forma como o fazem, mas pelos cargos que ocupam, pelos sinais de riqueza que apresentam, pelas cunhas que daí possam advir, pela teia de influências que permitem, pelas cadeiras onde se sentam, seja nas empresas públicas ou privadas, Assembleia da República, escolas, hospitais, jornais, televisões…

Vivemos num país (num mundo) onde já não está a contar ou quase não conta quem vive e faz as coisas com seriedade e brio profissional, sentido de justiça e abnegação, mas, quem faz de conta que tudo faz nada fazendo, tal o artificialismo e visibilidade mediática que hipocritamente encomendam para se fazer notar, seja onde for, com quem for, desde que a sua imagem ganhe contornos de popularidade mesmo duvidosa.

Querem simplesmente dar nas vistas, rodeando-se, se possível, de um séquito de bajuladores que os promovem a figuras "nacionais" e "superiores”, abutres que são e atentos que estão à espera de um qualquer favor ou de um qualquer sinal para se sentarem, também a seu lado, na mesa do poder. Dos pequenos poderes de pequena gente que pulveriza os nossos gabinetes, as nossas empresas, servindo despudoradamente uma ética política e moral pública completamente pervertida e arredada dos mais elementares princípios que qualquer um deveria aplicar-se, empenhado que estivesse na qualidade da democracia e no funcionamento correcto das suas instituições.

Prevalece a importância dos cargos e dos títulos, dos certificados e diplomas académicos que muitos e muitos acumulam "à pressão", dos mestrados, doutoramentos, sem que isso signifique mais cultura, mais nível e mais conhecimento.

De facto, onde está o nível de tanta desta gente? Onde está que não se vê ou nunca se viu? De que modo o seu desempenho melhorou as instituições ou funções que desempenhavam e desempenham? Em que se tem diferenciado esse desempenho, na prática, a não ser nas subidas de carreira e nos “bónus salariais”?

Pensa-se na profissão e não no trabalho, na forma de tratamento, na vaidade que isso traz, mais nos ganhos que permitirá do que pô-la ao serviço dos outros, do país, do desenvolvimento e da harmonia social.

Muita desta gente, destas autoridades e destas hierarquias, nada faz nem ousa fazer se daí não resultar, de algum modo, proveito pessoal, enriquecimento rápido e ostentação material.

Nunca tanta gente mandou em tanta gente ou pensa e quer mandar em tanta gente!

Somos um país carregado de chefes, de administradores, de gestores, de directores, de coordenadores, de presidentes disto e daquilo, de mestres e doutores. E de trabalhadores?

Prevalece, ainda, o nome e apelido sonante e não o currículo académico e a excelência do percurso.

Prevalece a cunha e não o mérito. Prevalece a mentira e a ignomínia.

Continua a caminhar-se para o abismo político, social, económico, psicológico e ecológico.

Embriagados pela tecnologia e pelo consumismo, também nos temos esquecido de valorizar as coisas simples da Natureza e de as amar, ponto de partida fundamental para a construção de uma sociedade de gente feliz, sem lágrimas, onde todos possam viver dignamente e em harmonia com todos os seres, com seriedade e sem demagogia.

Vivemos tempos de mudança.

Temos de a fazer, sim, mas não a qualquer preço nem de qualquer maneira.

Olhemos para a História.

Olhar para a História é olhar para a Vida e dela retirar força e ensinamentos.



“Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir" (Amyr Klink)



Nazaré Oliveira



* Quadro de Goya "3 de Maio"