terça-feira, 12 de julho de 2011

Os bois

  





Quando era pequenita, bem os via, puxando a muito custo os carregadíssimos carros que chiavam pelo caminho e anunciavam o seu duro trabalho e a sua dura submissão.

Dobrados sob cargas terríveis que levavam  e aprisionados num jugo que os  emparelhava na sua condição servil, eram impiedosamente picados pelo prego afiado do aguilhão que lhes exigia o esforço limite e brutal.
Via-os sofrer. Sabia que sofriam. Humilhados, explorados.
Paravam por momentos como quem pedia auxílio, fincando as patas dianteiras e trémulas sobre a terra que com dor marcavam, e dos seus olhos negros, grandes, brilhantes, a doçura da inocência que brotava daquele corpo magnífico.
Como alguns dos seus pobres donos, que sem um ai e um queixume, labutando de sol a sol, só regressavam a casa ao toque do sino da aldeia, deixando para trás o cheiro da terra acabada de regar, o som da enxada que em sulcos a abrira e o murmurar do ribeiro, agora, sózinho,  serenamente abraçando o entardecer.
Quando os carros de bois passavam na rua,   naqueles fins de tarde de Verão quentes, cheirando a campo, pinheiros,  urzes  e rosmaninho,  emoldurados por um céu de ouro, vermelho e azul onde as aves brincavam a cantar e o fumo das lareiras pintava o horizonte, eu parava as correrias, o jogo da macaca ou da bilharda para os ver passar. 
E olhava-os. Como quem afaga ou beija.

No livrinho de leitura da escola primária tínhamos o poema que publico aqui, de   Afonso Lopes Vieira, "Os Bois". Nunca o esqueci.
Aqui fica tudo isto, em jeito de homenagem e reflexão.
Porque os animais também são gente!

Nazaré Oliveira



Os bois! Fortes e mansos, os boizinhos,
- leões com corações de passarinhos!

Os bois! Os grandes bois, esses gigantes,
tão amigos, tão úteis, tão possantes!

Vede os bois a puxar, pelas estradas,
aquelas pesadíssimas carradas.

O corpo deles, com o esforço, freme,
e o carro geme, longamente geme...

E à noite, pela estrada tão sòzinha,
o carro geme, geme, e lá caminha...

E parece, pela noite envolta em treva,
que é o carro a chorar por quem o leva.

Vede o boi a puxar à velha nora,
que parece também que chora, chora...

A nora chora, e o boi, cansadamente,
anda à roda, anda à roda, longamente...

E parece pela tarde erma que expira,
que é a água a chorar por quem a tira.

Mas vede os bois, também, nessa alegria
de trabalhar na terra à luz do dia!

Vede os bois a puxar ao arado, agora
que o lavrador conduz pelo campo fora!

Eis um canto de amor no ar se espalha:
- é a terra a cantar por quem trabalha!

O arado rasga a terra, e os bois, passando,
com os seus olhos a vão abençoando.
Sem as suas fadigas e canseiras,
não teriam florido as sementeiras!

Sem a sua força, sem a sua dor,
não estava rindo a terra toda em flor!...

E, por onde os bois lavraram,
as fontes frescas brotaram,
as árvores verdejaram,
os passarinhos cantaram,
as flores floriram,
os campos reverdeceram,
os pães cresceram
e os homens sorriram!...


Afonso Lopes Vieira