terça-feira, 26 de julho de 2011

União Europeia - Os apelos ao “federalismo”


Os apelos ao “federalismo” mostram uma vontade: a vontade de não cumprir o programa assinado entre Portugal, a União Europeia e o FMI.
Passaram dois meses desde a assinatura do acordo, este mal começou a ser implementado, e já há quem tenha assumido uma das atitudes favoritas dos portugueses: vamos arranjar uma maneira de nos safar sem ter que fazer o trabalho difícil. A atitude do "esquema" vestiu a roupa do federalismo europeu. Claro que ao fazê-lo, assume uma posição moral, aparentemente desinteressada, e até para o bem da própria "Europa".
O que significa então esta nova versão de "federalismo"? Basicamente, federar a dívida portuguesa (mais a grega, a irlandesa e, talvez, a espanhola, a italiana e a belga).
Em traços gerais, seria este o resultado dos ‘eurobonds'. É por isso que a Alemanha e os seus aliados da zona Euro têm rejeitado as soluções que visam "europeizar" as dívidas. Além de não quererem transferir dinheiro para os países endividados, desconfiam que a solução "fácil" iria adiar, mais uma vez, a necessidade de reformas estruturais. E vendo as resistências às reformas que começam a aparecer, têm alguma razão.
Até pode acontecer que para salvar o Euro seja necessário aprofundar a construção europeia e encontrar-se uma fórmula para os países mais ricos se responsabilizarem pelas dívidas dos mais endividados. Mas ninguém julgue que isso resolve o problema e que poderíamos, então, voltar à vida do costume. A federação da dívida teria um outro lado: a federação da autoridade e do poder. E quem pagar, vai mandar ainda mais.
Ao contrário do que pensam os seus defensores, o "federalismo" pode salvar o Euro, mas não resolve o essencial. Isto não é uma crise do Euro. O problema de fundo da crise europeia é que chegámos ao fim de um modelo económico e social e de um certo modo de vida. Não é possível continuar a aumentar o consumo, a reforçar os privilégios sociais, sem produzir a riqueza suficiente e a viver de crédito. Só há duas soluções: ou produzimos mais, e continuamos a ser prósperos; ou não produzimos, e perdemos privilégios. Mesmo que haja mais "federalismo", teremos que fazer reformas ou alterar o modo como vivemos.
De resto, só mudaria a autoridade que nos obrigaria a fazê-lo. Seria alguém em nome da "federação". Esta é a última hipótese de sermos nós portugueses, através das instituições nacionais e após um processo de legitimização democrática, a fazê-lo. Se ainda há orgulho e dignidade no nosso país, vamos cumprir as nossas obrigações sem ficar à espera que nos salvem.
No fundo, nesta narrativa ilusória, a "federação europeia" substituiria o Estado português. Se este já não pode pagar, que pague aquela. Mudar de vida é que não. Eis, o verdadeiro problema: há muita gente que ainda não consegue imaginar um futuro diferente e melhor que o passado.

João Marques de Almeida, Professor universitário http://economico.sapo.pt/noticias/federalismo_122790.html