domingo, 12 de junho de 2011

Escravatura e plantações de açúcar



Excertos de obras que li (e que cito) sobre a escravatura e as plantações de açúcar no Brasil.


Escravatura e plantações de açúcar são inseparáveis. Cada engenho de açúcar exigia no mínimo 80 escravos, além das centenas que tinham de trabalhar nos campos. A região por excelência foi sem dúvida o Nordeste brasileiro, que designa os estados de Piaui, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Baía. (…) onde viviam em condições miseráveis e eram cerca de 1/3 da população brasileira (…). A importação maciça de africanos foi de tal modo brutal que chegavam aos milhares como gado (…).

Os navios de escravos
O armador encomendava embarcações que apresentassem duas características contraditórias: uma quilha bastante ampla, onde se pudessem acumular o máximo de víveres e negros e a capacidade desenvolver boa velocidade. (…) eram embarcações pequenas, de 100 a 300 toneladas em média. A duração da viagem dependia dos ventos e das transacções que se realizavam na costa africana. Uma viagem triangular de 16 meses de duração representava uma boa média. (…)

Teresa Mesquitela, A escravatura no Brasil e a sua abolição.

Um navio de escravos era um espectáculo asqueroso e lancinante. Amontoada no porão, quando o navio jogava batido pelo temporal, a massa de corpos negros agitava-se como um formigueiro de homens, para beber avidamente um pouco desse ar lúgubre que se escoava ela escotilha gradada de ferro.  Havia lá no seio do navio balouçado pelo mar, lutas ferozes, gritos, uivos de cólera e desespero.
Os que a sorte favorecia nesse ondear de carne viva e negra, aferravam-se à luz e olhavam a estreita nesga do céu. Na obscuridade do antro, os infelizes promiscuamente arrumados a monte, ou caíam inânimes num torpor letal ou mordiam-se desesperados e cheios de fúrias, estrangulavam-se, a um saíam-lhe as entranhas, a outro quebravam-se-lhe os membros no choque dessas obscuras batalhas, e a massa humana, cujo rumor selvagem saía pela escotilha aberta, revolvia-se no seu antro, afogada em lágrimas e imundície.
(…) Como o afogamento dependia do acordo do companheiro, pois encontravam-se amarrados nas pernas (os ferros não eram tirados nunca), o mais frequente era a tentativa de greve de fome. Tentativa, porque o suicida acabava sempre por ser forçado a abrir a boca e a comer: o capitão mandava que um dos homens da sua tripulação se aproximasse do rosto do rebelde com um carvão em brasa ou um ferro quente, e ele era obrigado a ingerir o alimento que tinha recusado.

Oliveira Martins, O Brasil e as colónias portuguesas.

Como se contavam os escravos
De tal modo se comercializou esta indústria assassina – eram quase tantos os negros mortos no trânsito como os desembarcados – que se fazia a conta da gente viva não por número de pessoas mas por medida linear e volume em toneladas, como qualquer fazenda inerte. A unidade era a “peça da Índia”, de 7 quartas (de vara) 1,75m, estatura regular do negro adulto. Três peças faziam uma tonelada, supondo-se ocuparem a bordo outro tanto espaço de carga ordinária. Para a conta mediam-se os negros, somando as alturas e dividindo o total pela craveira, 5,25m, e tinham-se as toneladas.

Lúcio de Azevedo, Época de Portugal Económico.
“As peças”
Os escravos eram designados por peças. Entendia-se por peça o escravo de 15 a 25 anos, cuja altura ideal era de 1,8om. Um negro de 8 a 15 anos (molecão) ou de 25 a 35 anos não fazia uma peça inteira: eram necessários três para fazerem duas peças. As crianças de menos de 8 anos (moleques) e os adultos de 35 a 40 anos, contavam-se por meia peça.

Carlos de Sousa Miguel, art. “escravatura”, Dicionário de História de Portugal.

Como se transportavam
É lamentável ver como se amontoavam esses pobres diabos, metendo 600 a 700 escravos em cada barco. Os homens de pé, nos porões, atados, as mulheres  nas entrepontes e, as que levavam crianças na câmara grande.
Os negros viajavam 2 a 2. A cadeia da perna esquerda ligada à da perna direita do outro, e estendidos nus no porão.
A altura deste não passava de 1,70m, ás vezes menos. Para aumentar o espaço, dividia-se essa altura ao meio, colocando em toda a volta uma espécie de plataforma suficientemente forte para suportar o peso de numerosos corpos. (…) cada escravo dispunha de 83cm de altura.

J.D.Page, A Short History of Africa.

(…) chegados ao seu destino, eram vendidos em leilão. Os casados eram a maior parte  das vezes separados para sempre das suas mulheres ou dos    seus filhos. A partir desse momento viam iniciar-se verdadeiramente o seu cativeiro. (…)

Oliveira Martins, obra citada.

Como se castigavam
Era necessária uma vigilância constante para conter aquelas criaturas desesperadas e nem sempre dóceis. A menor falta era punida com algemas e açoites. Nos casos mais graves recorria-se à tortura: esfregava-se limão e pimenta sobre as feridas sangrentas deixadas pelo chicote, apertavam-se os polegares entre os dedos, suspendiam-se os rebeldes pelas mãos e deixavam-se pendurados algum tempo no mastro ou sobre a água. Alguns infelizes enlouqueciam, mas eram conservados vivos para serem vendidos nalgum momento de lucidez. Outros, ou mesmo os loucos, tentavam o suicídio.

Teresa Mesquitela, obra citada.

O dia de trabalho nos engenhos
Começava ás 5 da manhã e terminava ás 7 da noite, com uma interrupção de cerca de duas horas por volta do meio dia para o almoço. Durante a colheita o trabalho era ininterrupto.
Nus ou cobertos de farrapos, manejando a foice ou enxada,  era necessário que o ritmo de trabalho fosse acelerado e constante, para não correr o risco da chibata. Nos engenhos de açúcar, os negros empurravam a  cana para a moenda, temendo a todo o instante terem as mãos esmagadas , sobretudo à noite, quando o cansaço os obrigava a cantar para não adormecerem e  não caírem num tacho fervente.

O “código negro”
Determinava que o senhor fornecesse semanalmente a cada escravo 2,5 litros de farinha de mandioca, 2 libras carne salgada ou 3 de peixe. Na realidade, porém, os senhores limitavam-se a permitir que aos sábados os negros cultivassem um pedaço de terra e se alimentassem com o que colhessem. Como não dispunham de tempo para cozinhar, esgotados ou improvidentes, não chegavam a plantar o suficiente. Era frequente o roubo de alimentos durante a noite. (…)

A Alimentação dos escravos e suas consequências
Os senhores davam aos escravos feijão cozido com angú, um bocado de toucinho, jerimumou ou abóbora cozida, esta comida rala a homens que tinham de levantar-se ás 3 da madrugada para trabalharem até ás 9 ou 10 horas da noite. (…) Verdadeiras máquinas de fazer dinheiro.

(…) os defeitos apresentados pelos negros – as pernas tortas, os braços finos, os joelhos tronchos, as cabeças encalombadas – manifestações de raquitismo, consequência da sua alimentação. (…).

Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala.


(…) com as reservas de vitaminas totalmente gastas. As perturbações mostradas pelos escravos eram consequência da falta de sol e da sua alimentação insuficiente. E continuavam a receber uma dieta carente do factor D. Este, encontra-se nas gorduras de origem animal: manteiga, ovos, óleos de peixe, leite…todas estas substâncias não existiam na dieta dos escravos que também não continha cálcio.

Rui Coutinho, Estudos afro-brasileiros.

As crianças negras andavam totalmente nuas até aos 5 anos, e isso contribuía para a disseminação de doenças como a desinteria, varíola, chagas, lepra, sífilis e tétano. Muitas morriam cedo devido a esta falta de higiene.

A vida do senhor do engenho
Ociosa mas alagada de preocupações sexuais, a vida do senhor do engenho tornou-se uma vida de rede. Rede andando, com o senhor em viagem ou a passeio por baixo de tapetes ou cortinas. Rede rangendo, com o senhor descansando, dormindo, cochilando ou copulando dentro dela . Da rede não precisava afastar-se o escravocrata para dar as suas ordens aos negros, mandar escrever as suas cartas pelo caixeiro ou pelo capelão. Da rede não precisava sair para jogar gamão com algum compadre que aparecesse (…). Depois do almoço ou do jantar, era na rede que fazia a longa digestão, palitando os dentes, fumando charutos, cuspindo no chão, deixando-se abanar pelas mulatas. (…)

Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala.

A mulher do senhor do engenho
Refreada pelas rígidas leis da sociedade patriarcal, sufocada por uma vida aborrecida e ociosa, a mulher do senhor prepara-se para o encontro com o marido, geralmente mais velho, sexualmente viciado por uma longa relação solitária. A consequência normal é um desequilíbrio nervoso que se traduz num sadismo exercido pelo homem sobre a mulher, pelo patrão sobre os servos, pela senhora sobre as criadas, pelo miúdo branco sobre o moleque.
(…) Uma sociedade onde abundam os bastardos que se inserem normalmente na vida e onde os filhos de padres são uma realidade quotidiana.

Gilberto Freyre, Sobrados e Mucambos.

O filho do senhor do engenho
Imitando os adultos, o miúdo serve-se dos seus companheiros de jogos, negros, nos primeiros exercícios sexuais (…) a sua aprendizagem culmina numa prostituta negra, quase sempre portadora de doenças venéreas.
Tudo isto se desenrola sob os olhos benévolos dos adultos que vêem em tudo isto uma afirmação de maturidade.

Giorgio Marotti, Profillo Sociológico della Letteratura Brasiliana.

O negro na família do seu senhor
É desde o início que o negro está presente na vida da família patriarcal nordestina: é dado aos filhos dos senhores como companheiro de jogos um miúdo negro, o “moleque leva pancadas” que será a sua vítima e que o iniciará na sua vida sexual. E quando o amo for adulto, serão outras negras que lhe darão a sua primeira sensação de homem.
À filha do patrão, pelo contrário, é dada uma mucama, criada, amiga, confidente e vítima, que partilhará os seus segredos e a ajudará nas suas intrigas amorosas ocasionadas pela severidade do pai, dos seus irmãos ou do seu marido. E, enquanto a ama preta amamenta o bebé branco, a cozinheira negra prepara um prato africano, os filhos do patrão vivem conjuntamente com os criados negros, nos campos, a força e a resistência do negro tornar-se-ão indispensáveis para a cultura da terra.
E o negro identificar-se-á, ora com o açúcar ora com o café ora com o cacau, os grandes produtos da monocultura latifundiária brasileira.
(…) a presença negra não se limitou apenas ao trabalho agrícola e ás actividades eróticas do senhor. As cozinheiras e a sua maneira de preparar a comida com fortes e acentuadas maneiras africanas, as criadas, as amas, as companheiras das meninas e as primeiras amantes dos filhos dos senhores, eram negras. Pouco a pouco, um estilo de vida negra ia-se introduzindo na vida branca: era a ama que contava à criança as fábulas africanas, era a primeira amante, a companheira de cama apaixonada e impúdica. E o homem branco, uma vez adulto, acabava por ter, muitas vezes sem o saber, uma forte percentagem negra na sua educação.

Teresa Mesquitela, obra citada.