quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os portugueses judeus em solo pátrio

Os portugueses judeus: em solo pátrio.

Fig.1  Amato Lusitano
A história dos judeus em Portugal é mais antiga que a própria nacionalidade. Já se encontram vestígios judaicos na antiga Lusitânia. Provavelmente as primeiras fugas dos Judeus da Palestina, deram-se ainda antes da era cristã nas guerras contra Nabucodonosor da Babilónia. Mas é sabido que foram os romanos, os principais responsáveis pela fuga dos judeus nos séculos I e II da nossa era (1), vindo muitos estabelecer-se no outro extremo do continente, na Península Ibérica (ou Sefarad, em língua hebraica).
Quando se dá a reconquista cristã aos mouros, muitos judeus já estavam integrados na sociedade árabe, confundindo-se com eles. A sua capacidade para as atividades económicas levou a que o “ministro das finanças” – na altura designado de “almoxarife-mor” - de D. Afonso Henriques tenha sido um judeu: D. Yahya Ibn Yaish.  Alguém poderá reclamar-se mais português que a população de religião judaica em Portugal?

No início da nossa nacionalidade, existiam muçulmanos, judeus, cristãos arianos, cristãos papistas e acredito, alguns vestígios do xamanismo lusitano. É desta amálgama que somos feitos. Várias raças, vários credos, várias culturas. O homem português é mestiçado e herda o messianismo judaico, o fatalismo árabe-muçulmano, o paganismo lusitano e o misticismo cristão. A explicação para a nossa capacidade natural de tentar estabelecer contacto com “o outro”, diferente de nós, veja-se por exemplo a Carta de Pero Vaz de Caminha, encontra-se talvez mais na génese demográfica, que na génese política. O português “cruzou-se” com todos os povos. Tema de estudo para os antropologistas.

Os nossos primeiros reis nomeavam um Arrabi-Mor (ou Grande Rabi), autoridade máxima dos judeus, que "despachava diretamente com o rei e sancionava a eleição dos arrabis, feita pelas comunas" [comunidades judaicas] (2). Os arrabis tinham funções legislativas e administrativas dentro das comunidades (3), atendendo, naturalmente, às leis judaicas. As disputas entre judeus e cristãos eram julgadas pelos juízes judeus, se o judeu fosse réu e eram julgadas por juízes cristãos se o cristão fosse réu, respeitando-se a regra de que o queixoso “devia seguir o foro do réu”(4). Em 1307 constrói-se a grande sinagoga de Lisboa.

Felizmente Carsten L. Wilke, especialista alemão em estudos judaicos, publica em 2009, em português, a primeira síntese histórica sobre os judeus portugueses (5), das origens até aos nossos dias. Era um livro que faltava. Só depois de ter escrito e publicado no blogue o primeiro e o segundo texto sobre este tema, me apercebi do facto. Os nossos compêndios de História de Portugal, mesmo os mais modernos, são pouco desenvolvidos sobre o assunto e tendem a esquecer alguns aspetos que reputo de essenciais a muito do que aconteceu no nosso país (e depois com a diáspora, muito do que aconteceu na Holanda e em Nova Iorque).
Wilke descreve um período entre 1147 e 1492, como sendo de “proteção dos reis de Portugal” aos judeus. São três séculos e meio sem paralelo a nível europeu, uma Europa onde os judeus eram perseguidos e julgados pela sua religião. Era natural portanto, que considerassem ser esta a sua nacionalidade. Tinham-na visto nascer, ajudavam a construi-la e aqui criavam as suas famílias, praticavam a sua religião e prosperavam. E com eles o país.
A sua influência estendia-se a muitas áreas. Eram mercadores, médicos, cientistas, estudiosos, como por exemplo Amato Lusitano (ver figura 1), Garcia de Orta, Abraão Zacuto ou Pedro Nunes. Os linguistas discutem que certas formas do português, como o uso comum do infinitivo pessoal, sem paralelo noutras línguas latinas, pode ser de origem hebraica (por exemplo: para estudar melhor, eu prefiro o silêncio). Existia um país criativo e desenvolvido para a época.
 

Fig.2  Monumento aos judeus vítimas do massacre
de 1506. Largo de São Domingos, em Lisboa.


Aconselho vivamente a ler o discurso proferido por Antero de Quental, na sala do Casino Lisbonense, em Lisboa, no dia 27 de Maio de 1871, chamado “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos”. Diz Antero: “Deste mundo brilhante, criado pelo génio peninsular na sua livre expansão, passamos quase sem transição para um mundo escuro, inerte, pobre, ininteligente e meio desconhecido. Dir-se-á que entre um e outro se meteram dez séculos de decadência: pois bastaram para essa total transformação 50 ou 60 anos! Em tão curto período era impossível caminhar mais rapidamente no caminho da perdição.”

As mais significativas perseguições aos portugueses judeus iniciaram-se ao finalizar o século XV e foram piorando durante toda a primeira metade do século XVI. Desde a segunda metade do século XVI, o país nunca mais voltaria a ser o mesmo, a decadência instalou-se para não mais nos abandonar. Paradoxalmente, depois disso, enraizou-se na população, o mito mais messiânico da cultura portuguesa: o sebastianismo.

 O acontecimento que mais nos envergonha de toda a História de Portugal

Durante a “semana santa”, entre 19 e 21 de Abril de 1506, conduzida por padres fanáticos, uma multidão assassina em Lisboa, invade as casas, tortura e mata sem piedade, crianças, mulheres e homens, “cristãos novos” judeus ou marranos (6). Mulheres prostituídas e mortas, fogueiras improvisadas, crianças esmagadas. Nenhum crime tinham praticado estes inocentes que foram aos milhares. A maldade e o fanatismo não conseguiram como vimos, destruir os portugueses judeus, mas acabariam por destruir o país que Portugal tinha sido (ver figura 2).

Um Anjo Redentor

Aristides Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus durante a Segunda Grande Guerra, salvou a vida a dezenas de milhares de judeus, passando vistos que permitiram sua entrada em Portugal (ver Fantasia Lusitana), contrariando as ordens de Salazar. Custou-lhe a sua carreira. Morreu na mais pobre miséria em 1954. A revista Life definiu-o como "the greatest Portuguese since Henry the Navigator".  Faltam-me palavras para conseguir elogiar este homem (ver figura 3).
 

Fig. 3  Aristides Sousa Mendes
Esta é uma história contada às avessas. Começou em Nova Iorque no século XXI, deslocou-se para a Amesterdão do século XVII e desembocou na antiga Lusitânia, num conjunto de três textos. Não foi uma pesquisa histórica, foi uma viagem da curiosidade individual, baseada em factos publicados e depois, na minha própria interpretação - suscetível a erros, admito-o. Mas serviu-me para perceber muitas coisas que desconhecia sobre a história dos portugueses e de Portugal, e lamentar que estes homens e mulheres fossem perseguidos de forma tão bárbara no seu próprio país. Eram pelo menos tão portugueses quanto os que cá ficaram, mas tinham outra religião. Foram mortos, torturados, queimados vivos, os filhos roubados às mães. Os mais felizes conseguiram fugir e sobreviver. Nada fizeram para merecer esse destino. Merecem hoje, todo o apreço que lhes possamos dar. Será que seremos capazes de o fazer? Acredito que sim.


O mínimo que podemos todos fazer agora

Assinar a petição pública que solicita “perante os Poderes constituídos da República Portuguesa , a restituição da nacionalidade portuguesa aos judeus sefarditas portugueses”. É algo que já deveria estar consagrado na nossa lei, há muito tempo. Para ler a petição clique aqui. Para assinar a petição clique aqui.

 
 
 
 
(1) Os judeus no Noroeste da Península Ibérica de João Domingos Gomes Sanches, ed. Âncora editora, pag 17, 2010.
(2), (3) e (4) Dicionário da História de Portugal de Joel Serrão, Vol III, pag 409, ed Figueirinhas, 1985.
(5) História dos judeus portugueses de Carsten L. Wilke, edições 70, 2009.
(6) Julgo que a palavra “marrano”, usada para os judeus portugueses, não tem o mesmo significado da palavra “marano” utilizada em Espanha para os judeus, que quer significar “porco”. O “Marrano” em português, vem do hebreu, “disfarce”.

Blogues que aconselho ler e seguir:

Sítios que aconselho visitar:
www.catedra-alberto-benveniste.org/  (Estudos Sefarditas da Universidade de Lisboa)
http://mvasm.sapo.pt/  (Museu Virtual de Aristides Sousa Mendes)