quinta-feira, 24 de abril de 2014

Nos 40 anos do 25 de Abril





Nos 40 anos do 25 de Abril: o governo é dono das pessoas ou as pessoas são donas do governo?


Quando se pergunta se o 25 de Abril valeu a pena o sinal é muito sério.
Esta pergunta foi feita insistentemente por Winston Churchill, em discurso após discurso, a partir de 1933, data em que Hitler chegou ao poder. Repetia-a vezes sem conta. Retomou-a num discurso radiofónico dirigido aos italianos, em 1944, e depois na Universidade de Leiden, na Holanda, em 1946. Umas vezes a pergunta era dirigida contra as ditaduras de Hitler e Mussolini, outras contra a ditadura de Staline e seus apaniguados.


Vale a pena recordar a pergunta de Churchill a propósito das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. Jornais e revistas, rádios e televisões têm repetido a pergunta: "o 25 de Abril valeu a pena?". Todas as perguntas são boas para começar uma conversa. Mas esta, francamente, não dá para grande conversa. É óbvio que valeu a pena -- pela simples razão de que o regime existente antes do 25 de Abril era absurdo.
A pergunta realmente pertinente é quase oposta: como foi possível aturar uma ditadura em Portugal durante 48 anos? Porque é que a ditadura só caiu em 1974? Essas são perguntas difíceis e eventualmente embaraçosas.

Em 1215 – repito, em 1215 – a Magna Carta declarava que o Rei não podia prender um súbdito sem uma acusação formulada à luz da lei. Que todos os súbditos tinham direito a um julgamento leal pelos seus pares. Que a ninguém podia ser vedado o direito de viajar ao estrangeiro. Que o Rei não podia confiscar a propriedade dos súbditos, nem cobrar impostos sem o consentimento destes.
Isto passou-se em 1215. Em 24 de Abril de 1974 – e, em bom rigor, até pelo menos 26 de Novembro de 1975 – estes preceitos não eram respeitados em Portugal.


Em nome de quê? Por que razão? Os historiadores saberão dizer-nos mais em detalhe. Mas, em termos de teoria política, as razões do Dr. Salazar e do Prof. Marcelo Caetano eram de natureza semelhante à das que foram papagueadas pelos comunistas após o 25 de Abril e até ao 25 de Novembro.
As razões aduzidas para não respeitar os preceitos da Magna Carta de 1215 eram basicamente as seguintes: eles sabiam o que era bom para o país, os outros não; os que discordavam do que era bom eram necessariamente inimigos do bem. Por estas razões, cabia ao governo dos bons dirigir e pastorear as massas, perseguindo e calando os maus. Por outras palavras, Salazar, Caetano, Cunhal e Cia achavam que o governo era dono das pessoas, não que as pessoas eram donas do governo.


Vale agora a pena recordar os sete testes que Churchill apresentou para sabermos quem era dono de quem, se o governo do povo ou o povo do governo. Eis os sete testes:
– "Existe liberdade de expressão de opiniões e de oposição e crítica ao governo que se encontra no poder?


– Os cidadãos têm o direito de destituir um governo que considerem censurável e estão previstos meios constitucionais de manifestarem a sua vontade?
– Existem tribunais que estão ao abrigo de violência por parte do executivo ou de ameaças de violência popular e sem nenhumas ligações com partidos políticos específicos?


– Poderão esses tribunais aplicar leis claras e bem estabelecidas que estão associadas, na mente das pessoas, ao princípio geral da dignidade e da justiça?
– Há "jogo leal" para pobres e para ricos, para os cidadãos comuns e para os detentores de cargos públicos?


– Existe a garantia de que os direitos dos indivíduos, ressalvadas as suas obrigações para com o Estado, serão mantidos, afirmados e enaltecidos?
– Está o simples camponês ou operário que ganha a vida trabalhando e lutando diariamente para sustentar a sua família livre do receio de que uma qualquer organização policial sinistra, controlada por um único partido, lhe bata à porta e o leve para a prisão ou para ser sujeito a maus-tratos sem um julgamento justo e público?"


O leitor pode certamente reparar que não se encontra nestes testes de Churchill uma única referência ao conteúdo substantivo das políticas de cada governo. Se é de esquerda, se é de direita, se promove ou se enfraquece o chamado "Estado social". Churchill não perguntava se "a democracia vale a pena" em função de concordarmos ou não com as políticas passageiras do governo transitoriamente em funções.
Quarenta anos depois do 25 de Abril, esta visão churchilliana da democracia não parece ainda enraizada entre nós. Quando se pergunta se o 25 de Abril valeu a pena – e quando a pergunta é levada a sério e se começa a discutir os resultados "deste regime" – o sinal é muito sério. Foi por estas e por outras que a ditadura durou 48 anos entre nós. E foi também por isso que, logo a seguir ao 25 de Abril, por pouco não íamos tendo outra ditadura de sinal contrário.




21/04/2014


Professor universitário, IEP-UCP

sábado, 19 de abril de 2014

A Paixão de Cristo na poesia




Crucificação (c. 1582). Paolo Veronese (1528-1588).
Óleo sobre tela (102 x 102 cm). Musée du Louvre, Paris. 




Autores portugueses encontraram inspiração nos passos dolorosos da vida de Jesus. A sinfonia das suas palavras transporta-nos para o mistério da cruz. 


A inspiração de vários poetas mostra o olhar sofredor da Mãe que segura e chora o seu Filho: 

«Vejo-te ainda, Mãe, de olhar parado,
Da Pedra e da tristeza, no teu canto,
Comigo ao colo, morto e nu, gelado
Embrulhado nas dobras do teu mando»
(Torga, Miguel)

«Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira»
(Quental, Antero de)

«Oh Virgem de Nazaré,
Oh Mãe de Jesus
Lírio aberto aos pés da cruz,
Cujas pétalas de luz
Vertem lágrimas de fé»
(Conde de Monsaraz, [Papança, António Macedo])

«Junto da cruz, que estremecia ao vê-la
Chorou, baixinho, a Mater Dolorosa:
E a terra, em volta, soluçou com ela»
(Oliveira, António Correia de)

O Sinédrio decretara a Sua morte. Nestes passos dramáticos em direcção à humilhação, Jesus prepara-se para a doação total. Os doze esperam com ânsia uma palavra do Mestre.

«Levanta as mãos ao Céu vasto e piedoso
Vara-lhe o seio tenebroso espinho
Caem gotas, de sangue precioso,
De suor, nas violetas do caminho»
(Leal, A. Gomes)

Mesmo de poetas descrentes, a beleza da sua linguagem expõe um sentimento religioso. Ao longo dos séculos, a Paixão e Morte de Cristo são fonte inspiradora da poesia. Luís de Camões – uma das almas lusitanas – tem elegias onde canta a Paixão do Filho do Homem.

«Aquele corpo tenro e delicado,
Sobre todos os santos sacrossanto,
De açoutes rigorosos flagelados»
(Camões, Luís)

O poeta limiano, Diogo Bernardes considera-se culpado daquela morte. A luminosidade das suas palavras como que formalizam um pedido de desculpas. O lirismo religioso deste poeta do século XVI é marcado pela sinceridade. 

«Eu vos crucifiquei, eu vos vendi,
Eu vos neguei mil vezes, que não três
Eu fui o que esse lado vos abri!» …
«Por eles (os meus pecados), meu senhor, te vejo estar
Crucificado nesse duro lenho»
(Bernardes, Diogo)

Partindo das palavras do Evangelho de S. João (19, 1-3), o poeta da Arrábida ilustra a paixão de Jesus com a luminosidade de um místico. Frei Agostinho da Cruz assume a culpa do sofrimento e morte de Jesus. 

«Eu fui, eu sou Senhor, o que vos pus
Nesse duro madeiro pendurado,
Donde morreis por mim, doce Jesus»
(Cruz, Frei Agostinho)

Quando medita nas chagas de Cristo, Diogo Bernardes pede mesmo à sua alma que, por amor delas, se arrependa dos seus pecados e dê início a uma vida nova.

«Quando meus olhos nessas chagas ponho
E não me vejo em lágrimas banhado
Corrido fico, todo me envergonho»
(Bernardes, Diogo)

José Régio aborda os últimos passos de Jesus num registo diferente. Lamenta ter nascido tarde, mas considera que Ele foi crucificado pelos homens.

«Por isso choro em mim a mágoa verdadeira
De ter nascido tarde, e só te vir achar,
Feito em marfim, metal, pedra madeira,
No cimo dum altar»
……
«O Cristo, ao alto, alonga os magros braços nus
Por sobre a escuridão do rancho desolado
Que segue, ao som da marcha, o seu Jesus
Por nós crucificado»
(Régio, José)

Preso e atado à cruz, a multidão gritava: Crucifica, crucifica. A humilhação estava patente naquele rosto.
André Dias explica a crueldade daquela morte.Este poeta dos séculos XIV e XV (1348-1437) coloca nas suas palavras a injustiça daquele tribunal.
 
«E todos bradavam com grande voz e alta:
- Crucifica! Crucifica este falso profeta
E morra sobre a cruz morte cruel e feia,
Que jamais não engane toda a nossa gente»
(Dias, André) 

Depois de saber que tudo estava consumado, Jesus disse: «Tenho sede». Teve como bebida, o amargo vinagre.
 
«Mas tem sede o Rabi. Um, mais cruel,
uma esponja, em caniço pontiagudo,
toda em fel ensopou. – Ora, este fel
amarga mais o mestre do que tudo»
(Leal, A. Gomes)

Do alto da cruz, os seus olhos sem brilho contemplavam Jerusalém. Após ter tomado o vinagre, Jesus exclamou: «Tudo está consumado». E, inclinando a cabeça, rendeu o Espírito.

«Filhos de Cristo, consumou-se agora
O horrendo crime de Israel, na cruz.
Trémula se abre a terra; o sol descora
A igreja chora, - que morreu Jesus»
(Ribeiro, Tomás)

A noite ia tombando de hora a hora cheia de assombro e cósmica tristeza. Esta morte foi vida. Foi um rasgão no tempo.

«Tu morreste por nós na cruz da afronta
E o sangue derradeiro
Derramaste do alto do madeiro,
Jesus, filho de Deus, Deus Verdadeiro
Aos crimes do homem não lançaste a conta
Inocente cordeiro
Quando foste no alto do madeiro
Lavar com sangue o último e o primeiro»
(Garret, Almeida.)

Com a morte e ressurreição, a lanterna da vida brilha e alimenta a árvore frondosa do cristianismo.

«Meu Deus, aqui me tens aflito e retirado
Como quem deixa à porta o saco para o pão.
Enche-o do que quiseres. Estou firme e preparado.
O que for, assim seja, à tua mão
Tua vontade se faça, a minha não»
(Nemésio, Vitorino)





fonte:  http://www.agencia.ecclesia.pt/

terça-feira, 15 de abril de 2014

Amélia dos olhos doces






Poesia de Joaquim Pessoa, música de Carlos Mendes.  
Cantada por CARLOS MENDES.


Iraque autoriza violação de meninas





Quando li esta noticia fiquei horrorizada e com uma vontade enorme de gritar ao mundo inteiro que isto não pode ser.
Crianças… Não só as mulheres mas também, agora, sob proteção legal, a violação de crianças, de menores que mal começaram a andar e a falar… inocentes a quem tudo têm roubado, e agora, até o direito à infância!
Monstros que assim pensam e legislam não merecem a liberdade, quiçá, a vida e o ar que todos respiramos. Não merecem nada tal o nojo em que vivem e fazem viver estes pobres seres, presos nas malhas de quem dos seus corpinhos se serve para satisfazer os seus desejos animalescos, brutais, medonhos, negros, muito negros.
Nestas paragens, salvo raríssimas exceções, continua-se a fundamentar o grotesco, a ignominia e até esta morte lenta e esta escravatura infantil consentida, com razões que nem no Alcorão encontramos, como muitas outras. São sim, o pior que de mau existe, e de cobardia e de perversidade que estes homens promíscuos procuram ávidamente, tal a sua fome de sadismo.
Invocam Alá em vão porque não são sérios nem nunca o foram face à sua religião e ao seu livro sagrado, fundamentando as suas perversidades sexuais e não só, numa Sharia assustadora ao serviço dos seus desejos mais mesquinhos.
Estes, dizem seguir à risca a lei islâmica quando propõem ao governo de Bagdad um projeto lei que permita o matrimónio em qualquer idade e no qual só se pudesse divorciar quem tivesse 9 anos. Sim, com esta condição e mais esta: casar-se, depois,  com outro homem (no caso de ser mulher). E isto sem falar de mais outro horror: enquanto a mãe amamenta, o marido pode  ter relações sexuais as vezes que quiser e com quantas mulheres quiser!
Pobres meninas! Pobres mães e pobres pais!
Os cristãos iraquianos vivem apavorados com isto. De facto, obrigar uma menina de 5 anos  - idade considerada para o matrimónio - a casar-se com um homem mais velho, é violação.
Só não é violação para os fundamentalistas da Sharia que a ela recorrem para satisfazer os seus instintos mais baixos e repugnantes.
Que  país este e que gente é esta, que isto aprova e isto faz!
Por favor, ONGs de Direitos Humanos, onde estais?



Nazaré Oliveira

Papa Francisco sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual





"A alegria do Evangelho": publicada a Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre o anúncio do Evangelho no mundo actual

2013-11-26 in Rádio Vaticano

"A alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus": assim inicia a Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" com a qual o Papa Francisco desenvolve o tema do anúncio do Evangelho no mundo de hoje, recolhendo por outro lado a contribuição dos trabalhos do Sínodo que se realizou no Vaticano de 7 a 28 de Outubro de 2012, com o tema "A nova evangelização para a transmissão da fé". "Desejo dirigir-me aos fiéis cristãos - escreve o Papa - para os convidar a uma nova etapa de evangelização marcada por esta alegria e indicar direcções para o caminho da Igreja nos próximos anos" (1).

O Papa convida a "recuperar a frescura original do Evangelho”, encontrando "novas formas" e "métodos criativos", sem deixarmos enredar Jesus nos nossos "esquemas monótonos" (11). Precisamos de uma "uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão" (25). Requer-se uma "reforma das estruturas" eclesiais para que "todas se tornem mais missionárias" (27) . O Pontífice pensa também numa "conversão do papado", para que seja "mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades actuais da evangelização". A esperança de que as Conferências Episcopais pudessem dar um contributo para que "o sentido de colegialidade" se realizasse “concretamente” – afirma o Papa - "não se realizou plenamente" (32). E’ necessária uma “saudável descentralização" (16). Nesta renovação não se deve ter medo de rever costumes da Igreja "não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos quais profundamente enraizados ao longo da história" (43) .

Sinal de acolhimento de Deus é "ter por todo o lado igrejas com as portas abertas" para que os que vivem uma situação de procura não encontrem "a frieza de uma porta fechada". "Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo". O Papa Francisco reafirma preferir uma Igreja "ferida e suja por ter saído pelas estradas, em vez de uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba por ficar prisioneira num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se algo nos deve santamente perturbar é que muitos dos nossos irmãos vivem "sem a amizade de Jesus” (49).

O Papa aponta as "tentações dos agentes da pastoral": o individualismo, a crise de identidade, o declínio no fervor (78). "A maior ameaça" é "o pragmatismo incolor da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede na faixa normal, quando na realidade a fé se vai desgastando" (83). Exorta a não se deixar levar por um "pessimismo estéril " (84) e a sermos sinais de esperança (86) aplicando a "revolução da ternura" (88).

O Papa lança um apelo às comunidades eclesiais para não caírem em invejas e ciúmes: “dentro do povo de Deus e nas diversas comunidades, quantas guerras!" (98). "A quem queremos nós evangelizar com estes comportamentos?" (100). Sublinha a necessidade de fazer crescer a responsabilidade dos leigos, mantidos "à margem nas decisões" por um "excessivo clericalismo" (102). Afirma que "ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina mais incisiva na Igreja", em particular "nos diferentes lugares onde são tomadas as decisões importantes" (103). "As reivindicações dos direitos legítimos das mulheres não se podem sobrevoar superficialmente" (104). Os jovens devem ter "um maior protagonismo" (106). (…)

Abordando o tema da inculturação, o Papa lembra que "o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural" e que o rosto da Igreja é "multiforme" (116). "Não podemos esperar que todos os povos para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da história" (118). O Papa reitera "a força evangelizadora da piedade popular" (122) e incentiva a pesquisa dos teólogos.

O Papa detém-se depois, "com uma certa meticulosidade, na homilia", porque "são muitas as reclamações em relação a este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos" (135). A homilia "deve ser breve e evitar de parecer uma conferência ou uma aula " (138), deve ser capaz de dizer "palavras que façam arder os corações", evitando uma "pregação puramente moralista ou para endoutrinar" (142). Sublinha a importância da preparação." (…) O próprio anúncio do Evangelho deve ter características positivas: "proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena" (165).

Falando dos desafios do mundo contemporâneo, o Papa denuncia o actual sistema económico, que "é injusto pela raiz" (59). "Esta economia mata" porque prevalece a "lei do mais forte". A actual cultura do "descartável" criou "algo de novo": “os excluídos não são ‘explorados’, mas ‘lixo’, 'sobras'" (53). Vivemos uma "nova tirania invisível, por vezes virtual" de um "mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira", "corrupção ramificada", "evasão fiscal egoísta" (56). Denuncia os "ataques à liberdade religiosa" e as "novas situações de perseguição dos cristãos. Em muitos lugares trata-se pelo contrário de uma difusa indiferença relativista" (61). A família - continua o Papa - "atravessa uma crise cultural profunda.

O Papa reafirma "a íntima conexão entre evangelização e promoção humana" (178) e o direito dos Pastores a "emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com a vida das pessoas" (182). "Ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião à secreta intimidade das pessoas, sem qualquer influência na vida social". "A política, tanto denunciada" - diz ele - "é uma das formas mais preciosas de caridade".

"Rezo ao Senhor para que nos dê mais políticos que levem verdadeiramente a peito a vida dos pobres!"

Em seguida, um aviso: "qualquer comunidade dentro da Igreja" que se esquecer dos pobres corre "o risco de dissolução" (207). Convida a cuidar dos mais fracos: "os sem-tecto, os dependentes de drogas, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados" e os migrantes, em relação aos quais o Papa exorta os Países "a uma abertura generosa" (210). "Entre estes fracos que a Igreja quer cuidar" estão "as crianças em gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana" (213). "Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição sobre esta questão. Não é progressista fingir resolver os problemas eliminando uma vida humana" (214). Neste contexto, um apelo ao respeito de toda a criação: "somos chamados a cuidar da fragilidade das pessoas e do mundo em que vivemos" (216).

Quanto ao tema da paz, o Papa afirma que é "necessária uma voz profética" quando se quer implementar uma falsa reconciliação "que mantém calados" os pobres, enquanto alguns "não querem renunciar aos seus privilégios" (218). Para a construção de uma sociedade "em paz, justiça e fraternidade" indica quatro princípios: "trabalhar a longo prazo, sem a obsessão dos resultados imediatos"; "operar para que os opostos atinjam "uma unidade multifacetada que gera nova vida"; "evitar reduzir a política e a fé à retórica; colocar em conjunto globalização e localização.

"A evangelização - prossegue o Papa - também implica um caminho de diálogo", que abre a Igreja para colaborar com todas as realidades políticas, sociais, religiosas e culturais (238). O ecumenismo é "uma via imprescindível da evangelização". Importante o enriquecimento recíproco: "quantas coisas podemos aprender uns dos outros!". Por exemplo, “no diálogo com os irmãos ortodoxos, nós os católicos temos a possibilidade de aprender alguma coisa mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e a sua experiência de sinodalidade" (246). "O diálogo e a amizade com os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos de Jesus" (248). "O diálogo inter-religioso", que deve ser conduzido "com uma identidade clara e alegre", é "condição necessária para a paz no mundo" e não obscurece a evangelização (250-251). "Diante de episódios de fundamentalismo violento", a Exortação Apostólica convida a "evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma adequada interpretação do Alcorão se opõem a toda a violência" (253). Contra a tentativa de privatizar as religiões em alguns contextos, o Papa afirma que "o respeito devido às minorias de agnósticos ou não-crentes não se deve impor de forma arbitrária, que silencie as convicções das maiorias de crentes ou ignore a riqueza das tradições religiosas" (255). Reafirma, assim, a importância do diálogo e da aliança entre crentes e não-crentes (257).

O último capítulo é dedicado aos "evangelizadores com o Espírito", aqueles "que se abrem sem medo à acção do Espírito Santo", que "infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia, em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo em contracorrente" (259). Trata-se de "evangelizadores que rezam e trabalham" (262), na certeza de que "a missão é uma paixão por Jesus mas, ao mesmo tempo, uma paixão pelo seu povo" (268): "Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros" (270). "Na nossa relação com o mundo – esclarece o Papa - somos convidados a dar a razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam o dedo e condenam" (271). "Pode ser missionário - acrescenta ele - apenas quem busca o bem do próximo, quem deseja a felicidade dos outros" (272): "se eu conseguir ajudar pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente para justificar o dom da minha vida" (274).